Hegemonismo e oportunismo na cisão da ILPS
Luiz Carcerelli
Da necessidade de unir forças anti-imperialistas
em diferentes países, demarcando campo com o reformismo e todo oportunismo, em
maio de 2001 foi fundada a Liga Internacional da Luta dos Povos (ILPS – sigla
em inglês). O Brasil se fez representar por entidades como a Liga Operária e o
Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos (Cebraspo). Nos anos seguintes se
incorporaram outras como a Liga de Camponeses Pobres, o Movimento Feminino
Popular e o Movimento Estudantil Popular Revolucionário. Em junho 2011, na
ocasião de seu décimo aniversário, a data foi marcada pela cisão com o
oportunismo. Em novembro de 2009 durante a reunião do Comitê Coordenador
Internacional (ICC), a mais alta instância de decisão entre
as assembleias internacionais, o prof. José Maria Sison, presidente do ICC, de
forma sumária e intempestiva, dissolveu o Grupo de Coordenação Internacional
(ICG), substituindo os membros democraticamente eleitos por associados seus.
Para que melhor se compreenda esses graves fatos, é necessária uma
retrospectiva destes 10 anos.
É perfeitamente natural que
existam diferenças políticas e ideológicas entre movimentos populares de
diversos países, e os fundadores da ILPS tinham consciência disso. A ILPS foi
criada pelo esforço de inúmeras organizações de massas e entidades populares de
diversos setores, frente à necessidade urgente de se unificar e intensificar as
lutas contra o imperialismo e toda a reação. Foram criados mecanismos que
possibilitassem o diálogo e o entendimento, para facilitar a colaboração, bem
como abordar as diferenças, na busca de unidade.
Hoje o professor Jose Maria
Sison acusa de sectárias diversas organizações fundadoras da ILPS e
responsáveis por importantes feitos sob sua bandeira, como a Resistência
Tessalônica (Grécia) em 2003, a Resistência Mumbai em 2004 (Índia) e a
Resistambul (Turquia), também em 2004.
Na verdade, a linha sectária
e hegemonista do professor Sison se fazia sentir desde o início, mas o diálogo
prevaleceu entre a I Assembleia Internacional (maio de 2001) e a II Assembleia
Internacional (novembro de 2004). Na II Assembleia uma linha direitista e
sectária tentou impor suas concepções de apoio à China (um Estado capitalista e
imperialista emergente) e a outros reacionários. Apesar dessa linha ter sido
derrotada na Assembleia, ela continuou a persistir. E foi nessa Assembleia
que Jose Maria Sison foi eleito para a
presidência do ICC.
Entre a
II e a III Assembleia o diálogo e a discussão continuaram a existir e vários
projetos foram desenvolvidos. Cada vez mais haviam referências ao presidente do
ICC como "porta-voz chefe" da ILPS, como reconhece o
estatuto. No entanto, seus associados cada vez mais interpretaram isso como
“porta-voz único”, desmobilizando outras iniciativas. O professor Sison foi
impondo seu método de liderança e começando a fazer declarações e diretivas sem
consultas a outros membros eleitos do ICC, que representam diversas
organizações filiadas a ILPS, cujos conteúdos violavam os princípios classistas
e de frente política de caráter democrático-popular.
Essa sucessão de atitudes culminou em novembro de 2009, quando
alegou que problemas durante um evento da Aliança Internacional de Migrantes e
Refugiados (IMAR), em Atenas *, teriam gerado uma “desconfiança” contra sua
gestão. A atitude do professor Sison frente a essa pretensa desconfiança não
foi a de um democrata consequente, que consistiria em apurar os fatos e debater
o assunto e se necessário se licenciar do cargo até que tudo fosse resolvido.
Ao contrário, servindo-se de maquinações, procedeu à dissolução do Grupo de
Coordenação Internacional (ICG), democraticamente eleito. Tal atitude, tão
típica dos meios burgueses e pequeno-burgueses, apesar de não representar
novidade nas práticas do movimento de luta dos povos, surpreendeu pela baixeza
dos métodos a que se chegou.
Senão vejamos. Numa reunião posterior, convocada a pedido do
vice-presidente para discutir mobilizações na Índia, o comportamento do
presidente foi típico de um dirigente de alguma entidade estudantil pelega.
Conseguiu procurações de membros do ICC que não poderiam estar na reunião e os
substituiu por associados seus, leu rapidamente seu relatório e votou a
exclusão de membros do ICG, cuja maioria estava presente, sem dar-lhes chance
de defesa ou mesmo de debater o assunto. Na sequência imediata “elegeu” novos
membros para o ICG. Sison se recusou a ouvir e debater os protestos de vários
membros eleitos do ICC na reunião. Posteriormente, emitiu declaração em 23 de
novembro, em nome do ICC, que havia liquidado, fingindo estar tudo bem e
seguindo no aprofundamento da prática de fazer declarações segundo seus
interesses ou da organização que representa na ILPS. Tais declarações não mais
representam o ICC eleito na III Assembleia, realizada em Hong Kong (julho
2008), mas apenas os associados de Jose Maria Sison. Sison passou então a
afirmar que a reunião teria liquidado uma tendência sectária e
ultra-esquerdista. Para ele, sectarismo é ter a ousadia de discordar e querer
debater suas posições errôneas, enquanto recusar-se ao diálogo e golpear
instâncias democraticamente eleitas são consideradas atitudes naturais.
Persistindo em sua linha hegemonista, o grupo de Sison não mais respondeu às tentativas de comunicação feitas por
diversas organizações membro, bem como se apressou a consumar o golpe
cisionista. Passou a organizar um encontro em Manila, em julho deste ano, o
qual chamou de IV Assembleia Internacional e em cujas resoluções encontra-se
todo tipo de veneno destilado contra organizações fundadoras da ILPS e membros
do ICC eleitos pela III Assembleia e destituídos por ele.
É pois, de se causar repulsa a tacanhêz de se servir de mentiras
e intrigas, da chantagem e da desqualificação dos divergentes. Até então, mesmo
com divergências importantes sobre questões de monta no seu interior e apesar
de exorbitâncias por parte da presidência de Sison, a prática na ILPS era a de
uma entidade democrática, que se pautava pelo debate fraterno para a tomada de
decisões. O fato do professor Sison ter por muitos anos liderado a luta
revolucionária e anti-imperialista em seu país não o faculta condição imperial,
ao contrário, deveria ser exemplar em presidir sob os princípios e critérios
proletários.
O que está se vendo no cenário internacional, no aprofundar da
crise do imperialismo e novo despertar dos povos, mais que nunca é o manejo de
seus corifeus em emular a concertação e a capitulação no campo popular. Após
assistirmos os lamentáveis episódios da capitulação dos anos de 1980 e 1990 na
América Latina, principalmente, e agora como está se dando no Nepal, só mais
razão dá aos povos em luta em rechaçar a contemporização e conciliação com
agentes do inimigo. Assim, os ataques sobre provadas organizações populares
para desqualificá-las como sectárias e ultra-esquerdistas não é mais que
cortina de fumaça para encobrir estes objetivos e práticas conciliatórias.
Acusar, como faz Sison, que sectários optaram “por não
identificar as forças positivas que se podem ganhar e mobilizar numa frente
ampla contra o imperialismo ou aproveitar-se das contradições no campo inimigo” (referindo-se aos caciques e populistas que ora gerenciam os Estados nos
países sul-americanos e às disputas que crescem entre os imperialistas), são
frases lançadas ao vento de quem se aventura pela podre linha de “cambiar de
amo”. Um grande mestre da luta dos povos vaticinou que pretender combater o
imperialismo e a reação de forma separada do combate ao oportunismo não passa
de fraseologia oca. Mais, outro gigante enfatizou que para a luta de libertação
dos povos o perigo principal seguia sendo o revisionismo.
*
O professor Sison mandou um vídeo com um pronunciamento seu com linha diferente
da acordada anteriormente e um representante grego afirmou que tal posição do
presidente não refletia a posição de toda a ILPS.
BOX
Método imperial e posições oportunistas
Se faz necessário ainda
esclarecer o teor da linha direitista defendida por José Maria Sison e seus
associados. A ILPS foi fundada com a missão de criar uma ampla frente
internacional anti-imperialista. Mas Sison queria ampliar a frente, seja
apoiando o governo reacionário da China – que já passou de pretensões
imperialistas à sua prática quase completa –, seja o oportunismo de Chávez ou o
revisionismo do governo cubano.
A seguir, publicamos trechos
da declaração Sobre os 10 anos da fundação da ILPS, em maio de 2001.
Uma carta aberta dirigida às organizações democráticas e de luta de massas pelo
mundo, esclarecendo sobre a situação na organização internacional.
“Em
abril de 2005, no 50º aniversário da Conferência de Bandung (1955), o
presidente, sem consulta a outros membros do ICC, divulgou uma declaração
assinada pelo presidente do ICC que, abertamente, declarava que a ILPS “era
guiada pelo espírirto de Bandung”. De fato, até aquele momento, o nome Bandung
foi o único espírito que nunca ocupou nossas mentes ou discussões durante
reuniões públicas nem em nenhuma reunião privada. Não há dúvidas de que pontos
de vistas diferentes existiam e continuam existindo entre os movimentos
populares, dentro e fora da ILPS. Entretanto, muitos destes continuam
acreditando que a Conferência de Bandung foi uma nova orientação, estranha ao espírito do
internacionalismo, que confundiu a frente de operários e oprimidos em cada
país, onde os reacionários e os Estados compradores tiraram vantagens dos
sentimentos anticoloniais e anti-imperialistas das massas populares para
legitimar e consolidar suas próprias dominações e posições privilegiadas em
cada país. Assim, o “espírito de Bandung” não pode ser lembrado como um guia ou
fundamento para uma iniciativa que está baseada numa aliança de organizações de
massas democráticas e anti-imperialistas. Ao lado da natureza antidemocrática de
fazer reivindicações em nome da ILPS, simplesmente não é verdade que a ILPS foi
fundada com tal espírito guia. A ideia de a ILPS ser parte de um movimento “não
alinhado”, que segue os princípios da “não interferência” e respeita os
estatutos das Nações Unidas é um fato estranho à própria ILPS. O estatuto
define a ILPS como uma aliança de formações democráticas e anti-imperialistas;
como uma organização que não é anexada, nem é extensão de nenhum Estado,
partido, nem de instituição religiosa. A ILPS foi fundada sob o incansável
espírito do internacionalismo que, necessariamente, significa que os movimentos
populares se uniriam sob a base de que “seus inimigos são nossos inimigos! Sua
luta é nossa luta! (...)
Em janeiro de 2009, o
presidente da ILPS, sem consultar nenhum membro do ICG, contra a sugestão do
secretário geral e, particularmente, sem consultar o vice-presidente para
assuntos externos, enviou um membro do seu grupo para participar na conferência
de Beirute. Este membro foi como representante de uma organização filipina e,
duplamente, foi também como um representante da ILPS nesta conferência. Sem
dúvida, esta conferência foi concebida como um exercício de relações públicas
do Ministério do Exterior iraniano. Um representante do Hamas abriu a reunião e
entre a lista de participantes estavam representantes do Ministério de
Informação do Irã.
Em fevereiro de 2009 este tema foi causa de duras
discussões durante a reunião do ICC, quando o vice-presidente para assuntos
externos e outros membros do ICC se opuseram e rejeitaram o relatório do
representante do escritório da presidência, que tinha participado desta
conferência, prevenindo o endosso do ICC a este surpreendente e não autorizado
engajamento à Conferência de Beirute, dado pelo Prof. Sison. (...)
Apenas seis meses antes da
Conferência de Beirute, durante a sessão plenária da IIIª Assembleia
Internacional da ILPS, em junho de 2008, foi aprovada uma resolução sobre o 20º
aniversário do massacre dos 18 mil prisioneiros políticos do Irã promovido no
verão de 1988 pelo regime reacionário da República Islâmica. A resolução também
prometia todo o apoio da ILPS ao crescimento da luta dos operários, estudantes,
mulheres e minorias nacionais no Irã. Apesar disso, o presidente da ILPS enviou o seu representante para um evento cujo objetivo era retratar
positivamente este
regime reacionário frente a opinião
pública internacional.
(...)
Assim, o
evento em Atenas e o papel que o presidente da ILPS jogou agravando diferenças
e usando a posição dele para difamar os outros,
mais que agir como um supervisor e um árbitro, deve
ser visto à luz
desse pano de fundo de uma tendência
crescente e estranha ao espírito da ILPS, que acabou nos comportamentos erráticos e sem sentido e nas
decisões não democráticas e liquidacionistas no ICC, em novembro de 2009.”
GN Saibaba – Frente Democrática Revolucionária (RDF) – Índia
M Arkolakis – Comitê Contra Bases Militares e Dependência da Grécia
A Riazi – Organização Democrática Anti-imperialista de Iranianos na
Grã-Bretanha -Irã
E Brunner – Publicações Umut – Áustria
R
Scarlatelli – Centro Brasileiro de
Solidariedade aos Povos , CEBRASPO – Brasil
H Gulum – 2ª Seção – Trabalhadores Municipais (Sindicato dos Servidores
Civis) – Turquia
D Norberg – Collision Course Media,
USA
Kali Akuno – Movimento de Base Malcolm X (MXGM) – USA
Y Gunes – Federação dos Trabalhadores da Turquia na Holanda (HTIF) – Holanda
A Genc – Federalção dos Trabalhadores da Turquia na Alemanha (ATIF) –
Alemanha
Prof K R
Chowdry – Vistapan Virodhi Jan Vikas Andolan
– Índia
C Perperidou – Marcha Classista – Grécia
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