jueves, 25 de febrero de 2016

Restauração capitalista na República Popular da China (Prefácio e Introdução)

Restauração capitalista na República Popular da China (Prefácio e Introdução)

Nota do blog: Iniciamos agora a publicação da obra “Restauração capitalista na República Popular da China”. Analisando a luta de duas linhas no decorrer da ditadura do proletariado e a sociedade chinesa, o professor Antonio Rosales Vargas busca contribuir para o debate. Publicado em Lima/Peru, em 1989, a obra completa está sendo traduzido pelo núcleo de colaboração do blog. 

Nós dividiremos sua publicação entre 7 partes, a seguir: “Introdução e Prefácio”“Capítulo I: O sistema de propriedade”“Capítulo II: Velhas classes derrubadas mais ‘direito burguês’ e novo tipo de burguesia no socialismo”“Capítulo III: Burguesia e Oportunismo em procura da restauração desde à superestrutura”“Capítulo IV: A reacionária ‘Teoria dos Três Mundos'”“Capítulo V: Assalto revisionista e restauração completa” e “Conclusões necessárias”

Aliás, o livro é muito oportuno. Visto que a experiência da ditadura do proletariado na China durou 27 anos e, no entanto, foi a mais profunda até agora vista. Assim como a experiência do proletariado russo, o chinês deu aportes únicos e universais que fizeram a ideologia do proletariado evoluir em saltos qualitativos, carregando os nomes de suas chefaturas (leninismo e maoismo, respectivamente, devenindo-se em marxismo-leninismo-maoismo). A experiência chinesa, particularmente, resolveu o problema da continuação da revolução proletária e da direção da luta contra a burguesia sob a ditadura do proletariado: a Grande Revolução Cultural Proletária.

Pormenorizando mais a questão, vemos que, para chegar até essa conclusão, o proletariado chinês, dirigido pelo Partido Comunista sob chefatura do Presidente Mao Tsetung, compreendeu muitas coisas mais. Compreendeu que a burguesia subsiste no socialismo, tendo sua base social na pequena produção, pequeno comércio, sendo engendrada em massa e a cada dia e minuto, através das diferenças entre cidade e campo, camponês e operário e trabalhos intelectual e manual, além do direito burguês, de tal modo que a luta de classes continua. A burguesia, como classe exploradora, uma vez desprovida da enorme propriedade privada, não dispõe de Poder e, no entanto, recorre à luta ideológica como forma principal de luta política: o anfiteatro da luta de classes passa para dentro do Partido Comunista, especificamente na sua direção, através da luta entre marxista e revisionismo, entre a via socialista contra a capitalista, entre proletariado e burguesia. A Revolução Cultural cumpre muito bem o papel de aprofundar a crítica, combater a burguesia nos terrenos da superestrutura por onde ela trava sua luta e, não menos importante, varrer dos cargos importantes do Estado, Exército e do Partido os elementos antagônicos ao proletariado, a linha de direita, dos revisionistas.
O Presidente Mao foi muito feliz quando, magistralmente, afirmou que o Partido é, como tudo, uma contradição, reflexo da sociedade de classes e, portanto, nele também há luta de classes e luta de linhas: a esquerda sempre é bem maior que a direita, e o centro sempre é maior do que a esquerda. O segredo é jogar com o centro (que não é antagônico à esquerda) e isolar a direita, para conseguir aprofundar a ditadura do proletariado e combater a própria direita. O centro do Partido, também compreendeu Mao, não é antagônico com a linha esquerda assim como é a direita com a esquerda; portanto, a contradição entre esquerda e o centro no Partido se resolve na persuasão e na prática da luta de duas linhas. Ao contrário, a direita deve ser isolada e esmagada. Portanto, a restauração se torna politicamente possível quando, mais do que o crescimento e escalada da própria direita ocorre, mas quando a esquerda permite isolar-se o suficiente a ponto do centro ser dirigido pela direita. O Presidente Mao, maior representante da linha esquerda, enquanto vivo, influenciou de forma brilhante o centro (representado por Chou En-lai) à serviço da ditadura do proletariado; com seu afastamento prático, a linha esquerda (Chiang Ching, Chang Chun-chao, etc.) não conseguiu fazê-lo. Assim foi politicamente possível a restauração capitalista na China.
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Teng Siao-ping e Huo Kuo-feng: a direita dirigindo o centro.
Sem mais delongas, a dúvida que sobressalta a todos os companheiros que estudam a questão é: se fora tão profunda, por quais erros foi derrotada a ditadura do proletariado chinês?
Essa questão, complexa e prolongada, busca ser respondida a seguir, pelo professor Antonio Rosales Vargas, em sua obra “Restauração capitalista na República Popular da China”.

Os números entre colchetes referem-se às páginas do livro.
As imagens anexas às publicações em questão são nossas e não estão publicadas no livro.

Restauração capitalista na República Popular da China

Antonio V. Rosales – Peru, 1989.
1ª Edição – 1989
2ª Edição – 2008

PREFÁCIO

[7] Eu li com grande prazer o excelente livro do professor Antonio Rosales Vargas intitulado “Restauração Capitalista na República Popular da China”. A razão de nosso interesse é de ordem teórica.
Sem lugar a nenhuma dúvida, o fato mais fenomenal que assistimos, logo após o término da Segunda guerra Mundial, foi o triunfo da majestosa Revolução conduzida por Mao Tsetung na imensa China. Vieram as obras de Mao, que todos devorávamos com enorme interesse. Tanto “Sobre a Nova Democracia” como “Uma só Faísca Pode Incendiar Toda a Pradaria”, não só as estudávamos como também as transcrevíamos com a máquina e no mimeógrafo. As grandes possibilidades da guerra de guerrilhas e o enorme aporte das Comunas Populares foram as novidades que Mao pôs na mesa do debate teórico. Em nosso entender, o desenvolvimento da Comuna Popular poderia permitir a visualização de uma sociedade socialista moderna e em que a mercadoria vá deixando progressivamente de ter significação econômica, o que na concepção de Marx é um pré-requisito da paulatina desaparição do capitalismo. Isto constituiu obviamente um fato de enorme importância teórica. Sua aproximação é o que segue: Segundo Marx e Engels, o socialismo supõe a extinção progressiva da mercadoria, posto que o capitalismo se funda no comércio de bens. As Comunas chinesas nas que se produzia para o autoconsumo e nas que se tendia à autossuficiência, a tal ponto em que nelas se possuíam até industrias pesadas; essas comunas podiam intercambiar bens excluindo o lucro, com que o quadro continuava completo no que toca à supressão de mercadorias. Desta forma o grande aporte das Comunas Populares parecia resolver um grande [8] problema teórico levantado ante à construção do socialismo.
Mas para que as Comunas pudessem existir e desenvolver era preciso que houvesse um governo forte e centralizado, que não é outro que a ditadura do proletariado. Tal ditadura teve que contar com um grande aparato burocrático, em que trabalhavam funcionários que tendiam a defender seus próprios interesses, que nem sempre são os mesmos interesses dos socialistas comunitários. Há aqui uma não duvidável contradição, que Mao a percebeu com uma particular clarividência e por isso é que estabeleceu que periodicamente os burocratas realizassem trabalhos manuais: a cada certo tempo deviam trabalhar como simples operários. Mas, por suposto, a burocracia é muito poderosa, tanto que tendia a ganhar cada vez mais terreno na conquista de seus privilégios. Nestes avanços Mao viu o perigo de aburguesamento; pensava que se a burocracia se impusesse definitivamente, o Estado chinês degeneraria até formas claramente capitalistas e por isso se preocupou quando constatou que os avanços da burocracia eram já importantes desde 1966, em que propõe ao Comitê Central do Partido Comunista da China a realização do que veio a denominar-se de Revolução Cultural Proletária. Parece que Mao pensava que contra o burocratismo havia que lutar em dois planos: no plano corrente, fazendo que os funcionários realizassem periódicos trabalhos manuais, e no plano cíclico mediante o recurso de grandes revoluções culturais que deviam efetivar-se a cada certo tempo, quando o burocratismo havia realizado avanços significativos. Só assim pensava que as forças do passado não voltariam a retomar seus antigos bastiões de poder e privilégios. As periódicas revoluções culturais de Mao são algo assim como rejuvenescimento de uma revolução que, de outra forma, tenderia à burocratização, ao aburguesamento e à volta ao passado.
Daí que nessa perspectiva, que é a perspectiva maoista, a contradição se apresenta entre a restauração do capitalismo e a consolidação do socialismo, que se manteria unicamente se as periódicas revoluções culturais triunfarem contra as tendências passadistas.
Pois bem. Esse grande problema ou contradição é tratado com uma notável conversa por Antonio Rosales Vargas em seu livro sobre “Restauração Capitalista na República Popular da China”. Começa o autor analisando as características de um Estado [9] representativo tanto da coletividade como do proletariado, em cujo nome exerce a ditadura. Passa depois a assinalar que o direito burguês se esconde atrás das posturas e posições dos altos funcionários do Estado. Em seguida, analisando com habilidade as posturas oportunistas de Liu Shao-chi e Teng Siao-ping e a forma em que se aproveitam da comemoração da morte de Chou En-lai para provocar um incidente contrarrevolucionário na grande Praça Tienanmén, a partir de quando se produz depois o assalto do poder política por parte dos revisionistas que, na concepção de Rosales, restauram completamente o capitalismo na República Popular da China após a morte de Mao. Termina o livro estabelecendo as necessárias conclusões que se desprendem da experiência chinesa.
Há uma digressão que sempre é necessário fazer, quando se está ante um trabalho da natureza do que nos oferece o professor Rosales; é a que toca a se o livro é importante ou não para nós que vivemos e lutamos em um país como o Peru, longe ainda dos problemas que confrontou e confronta a China. Por momentos, devo dizê-lo, o livro não me parecia transcendente para nós, agora. mas logo compreendi sua importância que, inclusive, excede as aspirações do autor. Essa importância se conecta com uma discussão que continuou truncada quando se realizou a formidável Revolução Russa, quando Lenin propôs um modelo de organização sócio-econômica encaminhado até o socialismo. A esta proposta lhe seguiu a proposta maoista, centrada nas Comunas Populares, a continuação da revolução socialista e a ditadura absoluta do proletariado que dão solução a vários problemas teóricos no que à construção do socialismo se refere, mas que desgraçadamente não tem concitado a suficiente atenção de parte dos teóricos do socialismo da época presente, com o que muitos aspectos do período de transição continuam ainda na obscuridade, a qual se faz maior ainda ante as frustrações soviética e chinesa.
Por fim, a obra do professor Rosales acreditamos que deve ser o ponto de partido para que nós socialistas meditemos criativamente nos grandes problemas que levanta a “criação heroica” de uma grande e florescente sociedade superior.
Lima, 1987.
Virgilio Roel Pineda

INTRODUÇÃO

[11] Na República Popular da China foi restaurado o capitalismo e a ditadura da burguesia. Este fenômeno constitui uma grande perda para o movimento comunista internacional, à revolução e ao socialismo. Quando tudo parecia andar sobre rodas para o proletariado, um golpe de Estado contrarrevolucionário, deteve a marcha socialista da grande China Popular. O fato, naturalmente, trouxe incerteza e confusão ao seio da classe operária e do resto do povo trabalhador.
Alguns acreditam que o socialismo é uma coisa acabada e perdem rapidamente a orientação nte qualquer momentâneo revés na luta. Não compreendem que o socialismo é só uma etapa transitorial entre capitalismo e comunismo. Marx deixou muito clara a ideia. Disse: “Aqui não se trata de uma sociedade comunista que se desenvolveu sobre sua própria base, mas de uma que acaba de sair precisamente da sociedade capitalista e que, portanto, apresenta ainda em todos seus aspectos, no econômico, no moral e no intelectual, o selo da velha sociedade de cuja entranha procede”. O socialismo não é ainda o comunismo, e não sendo-o, nele subsistem ainda alguns grandes flagelos da [12] sociedade capitalista como o “direito burguês” e as diferenças entre o proletariado e o campesinato; entre a cidade e o campo e entre o trabalho manual e o trabalho intelectual; subsistem a produção de mercadorias e o intercâmbio por meio do dinheiro, subsiste a pequena produção e subsistem as classes exploradoras derrotadas, todo o qual constitui o terreno ou as condições em que se engendram capitalismo e burguesia. Então é possível que se apresentem retrocessos enquanto se constrói o socialismo, é possível cometer erros no processo de construção e sofrer derrotas transitórias.
A burguesia recobrou o Poder na China e estabeleceu uma ditadura burguesia social-fascista. Esta é uma experiência muito dolorosa, vinda pela falta de três garantias políticas que deveriam velar pelo socialismo. Faltaram, em geral, três garantias para a vida do socialismo na China: 1) o PCCh não sustentou com firmeza a chave do desenvolvimento socialista, isto é, a luta do proletariado no Poder contra a burguesia despojada de Poder, pois a conduziu defeituosamente, sem profundidade, sem vigor, sem continuidade e com excessos de magnanimidade para com seu inimigo principal; 2) o PCCh não levou até o fim a continuação da revolução proletária nas condições do socialismo, ou Revolução Cultural Proletária; só deu o primeiro passo, um passo vacilante, irresoluto, e continuou assim, no começo, concedendo trégua e desenvolvimento à burguesia, ao revisionismo e aos fatores econômicos de recuperação capitalista; 3) o PCCh, sem agarrar resolutamente a chave e com uma Revolução Cultural Proletária inconclusa, não logrou fazer desenvolver a ditadura do proletariado a sua expressão mais elevada, ele não alcançou a Ditadura Onímoda do proletariado e permitiu que a burguesia e o revisionismo usurpassem dissimuladamente a direção de alguns setores partidários e órgãos da ditadura proletária e de muitos departamentos econômicos e culturais socialistas. Não se impôs a ditadura dos operários em todo o organismo socialista; onde não esteve presente, ou esteve só na forma, se organizaram verdadeiros quarteis burgueses e revisionistas que se moveram até a recaptura do Poder.
Nestas três grandes faltas reside a concreta responsabilidade histórica do PCCh de aquele tempo e de seus máximos dirigentes marxistas-leninistas-maoistas com respeito à perda do Poder proletário. Mas uma verdade é necessário ressaltar com muita ênfase ante à euforia burguesa, imperialista e revisionista, e é que a restauração capitalista [13] na China tem a natureza de um fracasso temporário na história, um fracasso que sofreu o proletariado chinês no curso da luta pelo comunismo em crescimento contra o capitalismo moribundo, mas o proletariado chinês transformará esse fracasso em vitória, porque constitui uma classe nova e revolucionária, tanto que a burguesia será a que pesará definitivamente com a derrota porque constitui uma classe velha e decadente. Assim o indica a tendência da história. Uma derrota de um Partido Comunista não pode mudar o rumo da história mundial nem impedir que o proletariado cumpra sua missão histórica nem, muito menos, levar à conclusão de que a ideologia completa do proletariado perdeu eficácia; a parte não pode envolver ao todo. O marxismo-leninismo-maoismo se forjou e desenvolveu-se na luta, a luta é seu cadinho; em cada combate de classe, já seja na vitória ou na derrota, se renova, se enriquece e se volta sempre vigente e inesgotável luz que resplandece o futuro do proletariado.
O socialismo é uma longa etapa histórica em que continua, sob novas formas, a luta do proletariado para desenvolver seu Poder, contra a burguesia que insiste em recuperar o seu. Na longa etapa histórica do socialismo o proletariado deve resolver grandes e difíceis problemas para assegurar sua vitória; mas a solução requer bastante tempo. O proletariado chinês estava condenado a resolver o problema da continuação da revolução sob sua ditadura, o problema da existência simultânea e contradição entre as relações de produção e as forças produtivas e entre a superestrutura e a base econômica, o problema de por que é inevitável o “direito burguês” mas é necessário restringi-lo, o problema de não poder suprimir ainda o sistema de mercadorias, a troca por meio do dinheiro e a distribuição para cada um segundo seu trabalho mas atender à necessidade de prevenir que isso origine capitalismo, o complicado problema de como se engendram novos elementos burgueses no socialismo, etc. Na clara tarefa de resolver estes tremendos problemas do socialismo lhe sobreveio, ao proletariado chinês, o reacionário golpe de Estado de outubro de 1976 a partir do qual se restaurou o capitalismo e a ditadura da burguesia na China.
No entanto, estamos seguros que os revolucionários marxistas-leninistas-maoistas e o proletariado chinês sacarão lições valiosas desta amarga derrota, que se restabelecerão, que lograrão a contrarrevolução e que obterão por fim a vitória. Além, sobre a firmeza de nossa convicção, temos o dever de examinar a [14] causalidade dessa temporária derrota. As páginas que seguem falarão dessas causas, na seguridade de que – como anunciou Mao Tsetung – “os próximos 50 a 100 anos mais ou menos, a partir de hoje, serão uma grande época de mudança radical do sistema social no mundo, uma época que estremecerá a terra, uma época com a que nenhuma outra anterior poderá comparar-se. Vivendo nela, devemos estar prontos para travar grandes lutas que terão muitas características diferentes às formas de luta do passado”.
Antonio Rosales V.

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