sábado, 3 de febrero de 2018

Víctor Jara: seu canto levanta as bandeiras da classe operária (AND)

Víctor Jara: seu canto levanta as bandeiras da classe operária

As letras de Víctor Jara nos tocam imediatamente ao ouvi-las, sinal que os acontecimentos e motivações que lhes deram forma são ainda plenamente vigentes. Sua música chama à reflexão e à ação, aliando a tradição da música folclórica e o sentimento de pobladores1, operários e camponeses, revela como uma canção pode ser uma poderosa arma de luta, um instrumento que reforce a decisão coletiva de atingir um necessário reino de justiça e igualdade.

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Víctor Jara nasceu na província de Ñuble em 28 de setembro de 1932, e pouco depois sua família mudou-se para Lonquén, localidade situada a 80 Km de Santiago. Lonquén e as terras circundantes pertenciam quase em sua totalidade à família Ruiz-Tagle, uma família latifundiária imensamente rica pertencente às classes dominantes chilenas, que organizava seus domínios de um modo quase feudal. Quando tinha 12 anos, sua família viajou à capital e ali Víctor aprendeu a tocar violão com um professor rural que foi seu vizinho em Santiago.
Como cantor, Víctor procurava refletir a vida e os sentimentos dos camponeses e, com isso, combater também a invasão cultural ianque. É por isso que, em meados da década de 1950, voltou ao campo durante os verões para compartilhar e aprender com os camponeses suas tradições e sua música.
Era uma época carregada de uma crescente agitação política que se estendia pelo Chile e por toda América Latina. Os operários e camponeses tinham expulsado a burguesia e o imperialismo de Cuba mostrando, para além dos desvios posteriores, que uma revolução era possível em nosso continente.
Nesse contexto, Víctor Jara fazia parte de um conjunto de artistas que se dispunham a romper com a visão patronal do folclore, que mostrava o campo chileno à imagem e semelhança do latifundiário. Assim se integrou ao conjunto Cuncumén, que enfocava o folclore e cantava aos trabalhadores, sindicatos, peñas2 e escolas primárias.
Da tradição camponesa aos problemas urbanos
Em 1965, Víctor incorporou-se à Peña dos Parra, iniciativa de Isabel e Ángel Parra (ambos filhos de Violeta), atuando por cinco anos junto a outros artistas que impulsionariam o movimento do que mais adiante se denominaria a Nova Canção Chilena. Na Peña os artistas expressavam seus desejos do término do regime capitalista, reivindicando a experiência da revolução cubana, e impulsionavam um sentido de unidade dos povos latino-americanos na contramão do imperialismo ianque.
Eram tempos do governo de Eduardo Frei Montalva (Democrata Cristão), que tinha prometido de melhorar as condições de vida dos mais pobres mediante moradias, reforma agrária e reformas econômicas. Mas essas promessas cedo viram-se reduzidas a palavras. Em 1965, a polícia foi enviada à localidade de El Salvador para reprimir uma greve disparando contra mineiros que se tinham refugiado em um sindicato. O mesmo ocorreria depois em Puerto Montt contra pobladores que tinham tomado um terreno a procura de solucionar seu problema de moradia, mostrando claramente a que interesses serviam os democratas-cristãos. Ambos os fatos inspiraram Víctor Jara para criar canções de denúncia como “Soldado, no me dispares (Soldado, não atire em mim)” e “Preguntas por Puerto Montt”. Assim suas canções se tornavam políticas, procurando acordar a consciência ante as injustiças, denunciando frente à indiferença e a censura.
Em 1969, no Primeiro Festival da Nova Canção Chilena, Víctor apresentou “Plegaria a un labrador (Prece a um lavrador)”, uma obra-prima de Víctor que baixa o idealismo da religiosidade à realidade humana. Não é uma oração de um camponês a Deus para lhe pedir que termine com as injustiças, mas uma exaltação da capacidade dos homens, dos explorados, de se unirem e, com ajuda do fuzil, construir seu próprio futuro de justiça e igualdade.
Víctor Jara e a violência revolucionária
Víctor reconhecia a via violenta, a revolução armada, como uma forma de terminar com as injustiças da sociedade capitalista, e canta às guerrilhas latino-americanas como em “Para Cochabamba me voy” (1968). Mas o Partido Comunista Chileno seguia a linha soviética de “coexistência pacífica com o imperialismo norte-americano”, adotada depois de realizada a revolução cubana, e que significava que não se impulsionariam novas revoluções armadas na América Latina, pois este continente correspondia a uma “zona de influência” do USA.
Assim, o falso PC desenvolveu uma “via chilena para o socialismo”, aceitando as regras da legalidade que a grande burguesia e a classe latifundiária tinham criado para defender seus próprios interesses. Levanta-se desta forma o projeto da Unidade Popular, que concorreria nas eleições de 1970, tendo Salvador Allende (Partido Socialista) como candidato.
Víctor Jara era um disciplinado militante das Juventudes Comunistas, e como tal aceitou a via eleitoral.
A Bala
Entretanto, já no início de 1973, os acontecimentos políticos anunciavam o irremediável fracasso do projeto da via pacífica ao socialismo, e nas canções de Víctor encontra-se a denúncia das intenções golpistas dos setores políticos chilenos mais rançosos junto ao governo norte-americano.
Ante estes anunciados acontecimentos apresentavam-se duas vias: manter o governo dentro de uma legalidade que não beneficiava a necessária construção socialista ou se lançar na defesa armada das conquistas que até então tinham obtido, considerando uma massa de operários e camponeses que, seguindo o projeto da Unidade Popular, nunca tinham sido preparados para isso.
O Partido Comunista, que não estava pela revolução armada, se lançou em uma campanha de “Não à guerra civil”, a qual Víctor Jara apoiou como militante, participando em programas da Televisão Nacional, musicalizando um poema de Neruda “Aqui me quedo (Aqui fico)” e cumprindo outras tarefas, como ao compor a “Marcha de los trabajadores de la construcción”, que contribuía para manter os ânimos altos.
Porém, nas suas apresentações ao vivo aflorava seu permanente conflito a respeito da violência revolucionária e cantava com força “La bala”, adaptação sua de uma canção popular venezuelana que denuncia duramente a igreja conservadora, o imperialismo ianque e as classes endinheiradas, que por anos têm enganado, reprimido e assassinado camponeses, e como têm encontrado resistência por parte do povo. Por isso conclui sentenciando que a bala “não é má, só depende de quando e quem a dispara”.
Suas ideias, que impulsionavam a urgência de mudanças revolucionárias, próprias da classe  da qual provinha e representava, entravam em contradição com a fidelidade que sentia pela Unidade Popular.
Foi este conflito que Víctor Jara não conseguiu resolver antes de ser torturado e assassinado, no dia 16 de setembro de 1973, pelo governo militar fascista. Mas a verdade é que o canto popular teve em sua pessoa um grande representante, que reconhecia o poder da canção como arma de luta e o soube usar até o último minuto de vida. Mas tal como ele mesmo reconhecia em 1972 num concerto em Cuba:
“... para esse negócio de revolução é preciso estar preparado, né? E quando o dia chegar, será preciso trocar o violão pelo fuzil…”

Notas:
1 - Os pobladores são as massas residentes das poblaciones, os bairros pobres no Chile. Assemelha-se a moradores de periferia, no Brasil.
2 - Peña: palavra de origem Mapuche que significa “reunião entre irmãos”, mas que evoluiu em alguns países da América Latina para designar um evento social no qual participam cantores, poetas, corpos de bailes e orquestras folclóricas que apresentam suas obras para o público geralmente em recintos pequenos e simples.

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