domingo, 24 de junio de 2018

As correntes filosóficas no movimento feminista (Anuradha Gandhy) (III)

Anarcofeminismo

O movimento feminista tem sido influenciado pelo anarquismo, por isso os anarquistas têm considerado as feministas radicais as mais próximas às suas ideias. Assim, o conjunto de trabalho chamado anarcofeminismo pode ser considerado uma parte muito importante do movimento feminista radical.
As anarquistas consideram todas as formas de Estado e propriedade privada como autoritária e tirânica. Preveem a criação de uma sociedade em que não haveria nenhum governo, nenhuma hierarquia e nenhuma propriedade privada. Enquanto as ideias anarquistas de Bakunin, Kropotkin e outros anarquistas clássicos têm sido uma influência, a famosa anarquista estadunidense Emma Goldman tem sido particularmente influente no movimento feminista. Emma Goldman, lituana de nascimento, imigrou para os Estados Unidos em 1885 como trabalhadora em várias fábricas de roupa, entrou em contato com as ideias anarquistas. Converteu-se em ativa agitadora, oradora e defensora das ideias socialistas e anarquistas. No movimento feminista contemporâneo, as anarquistas circularam em torno dos escritos de Goldman e suas ideias têm sido influentes.
As anarcofeministas estão de acordo que não há uma versão do anarquismo, mas dentro da tradição anarquista partilham de um entendimento em comum. Primeiro: uma crítica das sociedades existentes, focando nas relações de poder e dominação. Segundo: a visão de uma alternativa, igualitarista, uma sociedade não-autoritária, assim como acerca da forma sobre como seria organizada. E terceiro: uma estratégia para passar de uma à outra.
Preveem uma sociedade onde seja garantida a liberdade humana, mas creem que a liberdade humana e a comunidade caminham de mãos dadas. Porém, as comunidades devem estar estruturadas de tal maneira que tornem possível a liberdade. Não devem haver hierarquias nem autoridade. Sua visão difere da do marxismo e do liberalismo, mas aproxima-se da razão pela qual lutam as feministas radicais, sua práxis. Dado que os anarquistas creem que os meios devem ser consistentes com os fins, o processo revolucionário e suas estruturas devem refletir a nova sociedade e as novas relações a serem criadas.
Assim, o processo e a forma de organização são muito importantes. Segundo os anarquistas a dominação e a subordinação dependem das estruturas sociais hierárquicas que são impostas pelo Estado e pela coerção econômica (através do controle da propriedade, etc). Sua crítica à sociedade não se baseia nas classes e na exploração, ou na natureza de classe do Estado, etc, mas centra-se na hierarquia e na dominação. O Estado defende e apoia estas estruturas hierárquicas e as decisões a nível central são impostas aos subordinados na hierarquia. Assim, para eles, as estruturas sociais hierárquicas são as raízes da dominação e da subordinação na sociedade.
Isto conduz assim à dominação ideológica, pois a visão que se promove e se propaga é a visão oficial, a visão dos que dominam a estrutura e seus processos. As anarquistas são críticas com o marxismo pois, segundo elas, os revolucionários criam organizações hierárquicas (o partido) através das quais se trará a mudança. De acordo com elas, uma vez que a hierarquia é criada, é impossível que as pessoas em posição superior renunciem ao poder. Por isso creem que o processo de mudança é igualmente importante. “Em uma organização hierárquica não podemos aprender a atuar de formas não-autoritárias”. Os anarquistas dão importância à “propaganda pela ação”, que consiste em dar exemplo positivo através de ações exemplares que possam motivar outros a unirem-se. As anarco-feministas dão exemplos de grupos que têm criado diversas atividades baseadas na comunidade, como o funcionamento de uma estação de rádio e uma cooperativa de alimentos nos Estados Unidos, em que têm desenvolvido as formas não-autoritárias de funcionamento na organização. Elas têm dado ênfase central a pequenos grupos sem hierarquia e sem dominação.
Porém, no funcionamento destes grupos na prática, a liderança tirânica oculta criada, tem dado lugar a muitas críticas a elas. Os problemas encontrados incluem a liderança oculta, com líderes impostos pelos meios de comunicação, a super-representaçãode mulheres de classe média com uma grande quantidade de tempo em suas mãos, a falta de grupos de trabalho onde as mulheres possam unir-se, a hostilidade para com mulheres que demonstraram iniciativa ou liderança. Quando os comunistas colocam a questão de que o Estado centralizado controlado pelo imperialismo necessita ser derrubado, elas admitem que seus esforços são naturalmente pequenos e que há a necessidade de coordenar-se e vincular-se aos demais. Mas elas não estão dispostas a considerar a necessidade de uma organização revolucionária centralizada para derrubar o Estado.
Basicamente, sua teoria afirma que o estado capitalista não haverá de ser derrubado, mas sim superado. “Nossa forma de proceder contra a estrutura do Estado patológico, talvez, a melhor palavra seja superá-lo ao invés de fazê-lo cair” – “de um manifesto anarcofeminista”, Siren (1971).
É evidente que sua análise se diferencia fortemente da perspectiva revolucionária. Elas não acreditam na destruição do Estado burguês/imperialista como questão central e preferem gastar sua energia na formação de pequenos grupos envolvidos em atividades de cooperação.
Na era do capitalismo monopolista, é uma ilusão pensar que tais atividades possam expandir-se, crescer e gradualmente afetar toda a sociedade. Somente serão toleradas em uma sociedade com excesso de superprodução como os Estados Unidos, como algo raro, uma planta exótica. Deste modo, tais grupos tendem a ser cooptados pelo sistema.
As feministas radicais têm constatado estas ideias como adequadas para seu ponto de vista, e têm sido influenciadas pelas ideias anarquistas sobre a organização, do mesmo modo que se tem produzido uma convergência entre a visão anarquista e a visão das feministas radicais sobre o mesmo. Outro aspecto das ideias anarcofeministas é sua preocupação com a ecologia, e constatamos que o eco-feminismo também tem crescido a partir da visão anarco-feminista. De fato, as anarquistas no ocidente estão ativas na questão do meio ambiente.

Ecofeminismo

O ecofeminismo também possui vínculos estreitos com o feminismo cultural, embora as ecofeministas se distingam delas. Feministas culturais como Mary Daly têm adotado um enfoque em seus escritos que se aproxima de uma compreensão ecofeminista. Ynestra King, Vandana Shiva e Maria Mies se encontram entre as mais conhecidas ecofeministas.
As feministas culturais têm celebrado a identificação das mulheres com a natureza na arte, na poesia, na música e nas comunidades. Elas identificam mulheres e natureza como contra a cultura (masculina). Assim, por exemplo, são ativas antimilitaristas. Culpam os homens pela guerra e assinalam que a preocupação masculina consiste em desafiar a morte. As ecofeministas reconhecem que as feministas socialistas têm enfatizado os aspectos econômicos e de classe da opressão das mulheres mas as criticam por ignorar a questão da natureza. O feminismo e a ecologia são a revolta da natureza contra a dominação humana. Exigem que seja repensada a dinâmica entre a humanidade e a natureza, incluindo nosso próprio “eu” natural.
No ecofeminismo, a natureza é a categoria central da análise – a inter-relação com a natureza, psíquica e da sexualidade, da opressão humana e não-humana, assim como a posição social histórica das mulheres. Este é o ponto de partida para o ecofeminismo, de acordo com Ynestra King. E na prática se tem visto, segundo ela, que as mulheres têm estado na vanguarda da luta para proteger a natureza – a exemplo de Chipko Andolan, onde as mulheres do povoado se acorrentavam às árvores em Tehri-Garhwal para evitar que os empreiteiros as derrubassem.
Há muitas correntes dentro do ecofeminismo. Há as ecofeministas espirituais, que consideram seu espiritualismo como o principal, enquanto que as mundanas creem na intervenção ativa para deter as práticas destrutivas. Afirmam que a dicotomia natureza-cultura deve ser dissolvida através da nossa unidade com a natureza. A menos que todos vivamos de modo mais simples, algumas de nós não serão capazes de viver em absoluto. Segundo elas, neste movimento para salvar a terra, há espaço para os homens. Há uma corrente entre as ecofeministas contrária à ênfase na relação natureza-mulher. As mulheres devem, segundo elas, minimizar sua conexão especial reforçada com a natureza, construída social e ideologicamente. A atual divisão do mundo em masculino e feminino (cultura e natureza), homens para a construção da cultura e mulheres para a criação da natureza (criação dos filhos e procriação) deve ser eliminada e a unidade enfatizada. Os homens devem trazer a cultura para a natureza e as mulheres devem levar a natureza à cultura. Esta visão tem sido chamada de ecofeminismo socioconstrutivista. Pensadoras como Warren creem que é errôneo vincular as mulheres à natureza, pois tanto os homens como as mulheres são igualmente naturais e igualmente culturais. Mies e Shiva combinaram perspectivas do feminismo socialista (o papel do patriarcado capitalista), com pontos de vista das feministas globalistas que creem que as mulheres tenham mais a ver com a natureza em seu trabalho ao redor do mundo, e do pós-modernismo que critica a tendência do capitalismo a homogeneizar a cultura por todo o mundo.
Creem que as mulheres em todo o mundo teriam suficiente similitude para lutar contra o patriarcado, o capitalismo e a destruição que geram. Tomando o exemplo da luta de mulheres para preservar a base da vida contra a destruição ecológica por interesses industriais e militares, chegam à conclusão de que as mulheres estarão na vanguarda da luta para preservar a ecologia. Advogam por uma perspectiva de subsistência, em que as pessoas não devem produzir mais que a quantidade suficiente às suas necessidades humanas e devem utilizar a natureza apenas o quanto for necessário, não para gerar dinheiro, mas para satisfazer as necessidades da comunidade. Os homens e as mulheres devem cultivar as virtudes femininas tradicionais (os cuidados, a compaixão) e participar na produção de subsistência, já que apenas numa sociedade deste tipo é possível “dar-se ao luxo de viver em paz com a natureza e manter a paz entre as nações, as gerações, os homens e as mulheres”. Apoiam que as mulheres não são violentas por natureza. Consideram-se ecofeministas transformadoras.
Porém, a base teórica do argumento de Vandana Shiva, a favor da agricultura de subsistência, é na realidade reacionária. Ela faz uma crítica mordaz da revolução verde e de seu impacto, argumentando que é uma forma de “violência patriarcal ocidental” contra as mulheres e a natureza. Opõe a ocidentalização patriarcal e a ciência/razão à sabedoria não-ocidental. Os imperialistas utilizaram os avanços da ciência agroindustrial para obrigar os camponeses a aumentar sua produção (para evitar uma revolução vermelha) e chegam a atá-los ao mercado de insumos agrícolas, como sementes, fertilizantes e pesticidas.
Mas Shiva rechaça a agrociência em seu conjunto e defende acriticamente práticas tradicionais. Afirma que a cultura indiana tradicional, com sua unidade dialética de Purusha e Prakriti é superior ao dualismo filosófico ocidental do homem e da natureza, do homem e da cultura, etc, etc.
Assim, afirma que na civilização onde a produção era de subsistência, para satisfazer as necessidades básicas vitais da população, as mulheres teriam uma estreita relação com a natureza. A revolução verde rompe esta ligação entre a mulher e a natureza. Na verdade, o que Shiva está glorificando, é a pequena economia pré-capitalista com suas estruturas feudais e desigualdades extremas. Nesta economia, as mulheres trabalham durante longas horas de labuta extenuante, sem o reconhecimento de seu trabalho. Ela não leva em conta a condição das mulheres das castas inferiores que trabalham nos campos e nas casas dos senhores feudais da época, abusadas, exploradas sexualmente e sem receber salário a maior parte do tempo.
Além disso, a vida de subsistência não se baseia no suficiente para todos, de fato as mulheres foram privadas inclusive de seus artigos de primeira necessidade neste período pré-capitalista glorificado, não tinham nenhum direito sobre os meios de produção e tampouco eram independentes. Esta falta de independência é interpretada por ela e Mies como a negação das mulheres do Terceiro Mundo à autodeterminação e à autonomia pois valorizam a conexão com a comunidade. Segundo Shiva, o que as mulheres valorizam como estrutura de apoio quando não possuem nenhuma alternativa diante de si, é o rechaço consistente à autodeterminação. Com efeito, estão defendendo a economia de subsistência pré-capitalista em nome do ecofeminismo e em nome da oposição à ciência e à tecnologia ocidental. Uma falsa dicotomia criada entre a ciência e a tradição.
Isto é uma forma de culturalismo e pós-modernismo que envolve a defesa às estruturas patriarcais de sociedades terceiro-mundistas, opondo-se ao desenvolvimento das massas em nome do ataque ao desenvolvimento do capitalismo. Nos opomos ao golpe destrutivo e indiscriminado dado pelos imperialistas famintos com seu agronegócio e sua tecnologia agrária (incluindo cultivos geneticamente modificados, etc), mas não somos contrários à aplicação da ciência e da agro-tecnologia para melhorar a produção agrícola. Nas atuais relações de classe, inclusive a ciência é criada pelos imperialistas, mas sob o sistema socialista isto não se dá assim.
É importante reter o que é positivo em nossa tradição, mas glorificá-la como um todo é anti-povo. As eco-feministas idealizam a relação das mulheres com a natureza e também carecem de uma perspectiva de classe. As mulheres das classes mais altas, quer nos países capitalistas avançados, quer nos países atrasados como a Índia, dificilmente mostram qualquer sensibilidade à natureza, tão absorvida que estão na cultura global consumista encorajada pelo imperialismo. Elas não pensam que o imperialismo é um sistema mundial de exploração e não mostraram vontade de mudar seus privilégios e estilo de vida básico, a fim de reduzir a destruição do meio ambiente. Para as mulheres camponesas, a destruição da ecologia conduziu a incalculáveis dificuldades na realização de suas tarefas diárias, como a aquisição de combustível, água e forragem para o gado. O deslocamento devido à destruição de suas florestas e terras para grandes projetos também as afeta terrivelmente.
Daí que estes aspectos podem converter-se, e têm se convertido, em pontos para a mobilização nas lutas. Mas disto não podemos concluir que as mulheres, ao contrário dos homens, têm uma tendência natural a preservar a natureza. A luta contra o capitalismo monopolista, que destrói a natureza, é uma luta política, em que o povo em seu conjunto deve participar, homens e mulheres. E embora o ecofeminismo não cite a luta Chipko (movimento ecológico e pacifista formado por camponeses e pequenos artesãos da Índia, e em especial mulheres), há de fato tantas outras lutas em nosso país, nas quais tanto homens quanto mulheres têm agitado o que pode considerar-se como lutas de questões ecológicas e seus direitos.
A agitação Narmada, agitação dos aldeões em Orissa contra os principais projetos de mineração e contra os projetos de mísseis nucleares ou a luta das tribos em Bastar e Jharkhand contra a destruição dos bosques e contra os principais projetos de aço, são exemplos disto.

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