martes, 6 de abril de 2021

BRASIL: Editorial especial A Nova Democracia– Crise militar e cisões alcançam novos patamares

 

Convicto da necessidade de concluir o Golpe Militar, Alto Comando consolida forças para isolar ainda mais Bolsonaro. Foto: Banco de dados AND

A demissão dos três comandantes das Forças Armadas (FA), simultânea e combinada, é a explosão pública e inaudita na história recente do país de uma gravíssima crise militar. Crise que é, por sua vez, gerada pelo elevado estado de crise econômica do sistema de exploração, putrefação do sistema político e divisão no seio dos “poderosos”.

A liberação de Luiz Inácio pelo STF é um ingrediente muito relevante nesse episódio. A decisão do STF é resultado, por um lado, de um acúmulo de forças da centro-direita na Suprema Corte buscando dar um golpe de morte na “Lava Jato” (garantido pela desmoralização da mesma com a divulgação pelos “hackers” da falcatrua e da intromissão ianque) e, por outro, pela ação de uma parte da direita militar que buscara com isso permitir que se crie a falsa polarização Bolsonaro versus PT.

Ademais, Bolsonaro – o fraco, isolado que se encontra na opinião pública, refém consentido da sanha voraz dos insaciáveis parlamentares sedentos por verbas públicas e acossado pelos inumeráveis crimes que cometeu depois de assumir a presidência, pressionou o Alto Comando das Forças Armadas (ACFA). Percebendo o agravamento das dificuldades para a ofensiva contrarrevolucionária representado por aquele novo acontecimento, sem precedentes até então, buscou conquistar novas posições, realizando provocações – como os distúrbios de policiais militares no Nordeste – e exigindo a saída do comandante do Exército, Edson Pujol. Seu objetivo, de elevar a tensão na cúpula militar para barganhar novas posições e, sobretudo, contra-atacar diante da saída do aborto nazista Ernesto Araújo (Relações Exteriores), seu último “quadro” ideológico no primeiro escalão, fracassou.

Além disso, segundo os próprios articulistas da imprensa reacionária, Bolsonaro pressionou para que os altos oficiais da ativa se pronunciassem ao “estilo Villas Bôas”. Coisa rechaçada por Edson Pujol e, provavelmente, com o respaldo do ex-ministro da Defesa, Fernando Azevedo, que buscam desvincular a imagem da instituição com a do governo. É sintomático que todos os ex-comandantes, e mesmo o senhor ex-ministro, tenham ressaltado que deixam seus cargos cumprindo o dever de “não permitir politização das FA” e mantê-las “instituições permanentes de Estado”.

Por isso, enganam-se os que pensam que os generais Luiz Eduardo Ramos e Braga Neto estão com Bolsonaro e contra os ex-comandantes das forças que deixaram os postos, e também erram os que creem que os substitutos são gente de Bolsonaro. A demissão dos três ex-comandantes das FA – por um lado, pressão do Bolsonaro e, por outro, fato alimentado pelo ACFA para desgastar Bolsonaro na oficialidade – deu lugar à nomeação de outros três que, no fundamental, mantêm a mesma posição dos anteriores, resultado da atuação do senhor Braga Netto, o novo ministro da Defesa. As possíveis diferenças nos detalhes não podem compensar o enorme desgaste gerado pela sua tentativa, sempre desprezada na caserna, de intrigar para aprofundar a divisão no comando das forças. No entanto, Bolsonaro, obstinado, incrementa sua presença nas forças auxiliares (polícias militares) buscando multiplicar suas peças no tabuleiro e ser capaz de pressionar o ACFA como elemento instabilizador ineutralizável.

Assim a direita hegemônica no ACFA avançou mais posições, mesmo no primeiro escalão do governo. Manteve postos chaves e desmantelou mais um posto avançado que Bolsonaro detinha nas Relações Exteriores, desde onde sabotava as relações internacionais nos negócios de obtenção da vacina, ademais de prejudicar a menina dos olhos da economia, o agronegócio.

Com a fracassada manobra de Bolsonaro, o isolamento de Bolsonaro é tal que o ACFA está em condição para consolidar a posição de tentar frear a desgraceira da pandemia ocasionada pela política genocida de Bolsonaro, com a qual os generais têm sido cúmplices, apaziguando, para não dividir as FA. Tentam reverter os fracassos na obtenção de vacinas e do plano de vacinação, tendo o nome da instituição ligado à ação criminosa do Ministério da Saúde, ademais da incompetência de seu general chefe de logística.

A corrida do ACFA é contra o tempo na tentativa de frear a mortandade, pois que, se a sua média diária, que já ultrapassou 3 mil, chegar a 5 mil, poderá explodir revoltas que até agora têm sido amortecidas pela busca diária das massas empobrecidas por sobrevivência, por manter-se no emprego e por achar um jeito de ir levando, contra a falta de atendimento à saúde com o colapso hospitalar. Se tal processo explodir, será insustentável ao presidente da Câmara segurar o trâmite do processo de impeachment de Bolsonaro e, com isto, se darão todas as justificativas para a intervenção militar completa das FA. Enfim, a consumação do golpe militar contrarrevolucionário. Na iminência de tal desordem, é evidente, as FA estarão unidas na intervenção e dificilmente atuarão para afastar Bolsonaro à força, por temor que tal ato divida as FA.

Mas, que fique claro: é lei da dinâmica das crises na história do país e, em particular, da dinâmica de atuação das FA desde os eventos do Tenentismo, que estas ajam por evitar a todo custo a sua divisão. Seus comandantes sabem que a garantia da manutenção do sistema de exploração e opressão é a unidade das suas FA reacionárias; sabem que a sua divisão é o começo da ruína dessa velha ordem. O ACFA está trabalhando o consenso na oficialidade de que seguramente será necessário a intervenção militar completa para restabelecer a ordem se esta descambar, mas advogam que a intervenção sob comando de Bolsonaro é uma aventura que levará as FA para um banho de sangue contra o povo. Todavia, os generais sabem das dificuldades colossais em que o país já mergulhou, situação dentro da qual tem peso relevante a decisão do STF sobre Luiz Inácio, quando o país se encontra dividido e em marcha acelerada rumo à guerra civil, situação impossível já de ser evitada no correr do tempo.

Convém ir às declarações para comprovar essa certeza: o presidente do Clube Militar, general de divisão Eduardo Barbosa, de suspeita capacidade cognitiva, alfinetou: “Lugar de ladrão é na cadeia!” e acusou: “No Brasil, aqueles que julgam são alinhados políticos daqueles que são julgados”, referindo-se aos ministros do STF. A solução para isso não poderia ser outra senão a remoção dos que julgam ou uma firme tutela sobre eles, presume-se, coisa essa que o ACFA fez à exaustão e abertamente em outras condições. Todavia, hoje, pelo grau de agudização de sua contradição com a centro-direita no STF, é inviável exercê-la sem gerar enorme instabilidade. Já outro general de igual qualificação mental, Eduardo Rocha Paiva – um bolsonarista estapafúrdio – foi mais longe e pregou abertamente uma investida militar, “convocada pelos Poderes constitucionais”, contra o STF e “em defesa da Nação”.

Vejamos ainda o que diz o general Santos Cruz, ex-ministro e hoje desafeto do bolsonarismo. Para ele, a decisão da anulação das condenações de Luiz Inácio “polariza a política nacional”, sendo negativa. Porém, continua: as FA “não podem se precipitar” (Vejam! Não se trata de as FA manterem-se sujeitas ao chamado “poder civil”, como querem interpretar os portadores das ilusões constitucionais, mas sim, trata-se, para esse reacionário, de não queimar etapas…). E diz mais: não convém um pronunciamento das FA, como o tuíte de Villas Bôas em 2018, pois “lá era véspera da decisão, agora a decisão está tomada”, e recorda que a questão ainda será tratada no plenário do STF, talvez sugerindo que neste momento valha uma intervenção. Esses são os chamados “generais legalistas” que enxergam os prodigiosos liberais da velha democracia.

Percebe-se: nas diferentes colocações dos altos mandos militares da reserva (aqueles que podem expressar-se livremente e, num certo sentido, expressam em termos relativos as posições correntes dentro da ativa) a questão não é as FA intervirem com ameaças e coações ou não intervirem; trata-se de como, quando e onde fazê-la.

Tal crise militar que veio como nunca à superfície é, no fim das contas, uma boa coisa. Escancarou a toda opinião pública o poder moderador que tem exercido o ACFA, desmascara essa falsa democracia de fancaria e enganchada nas baionetas. Desnuda, ademais, o próprio golpe de Estado militar preventivo em curso. Diante dele se erguerão grandes contingentes, aglutinados e instruídos grão a grão, para defender os sagrados direitos do povo, ameaçados por esse gigante com pés de barro. Quem viver verá.

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