Palavras proféticas
Lenin proclama o Poder
dos Soviets, pintura de V. A. Serov
O grande Lenin escreveu o artigo "Palavras proféticas", ressaltando a
precisão das análises que Friedrich Engels havia realizado, sobre como o
desenvolvimento do capitalismo no final do século XIX estava gestando uma
terrível crise para os seguintes dez/vinte anos. Engels antevera uma guerra, que
de proporções nunca vistas, deveria devastar a Europa, numa matança que
consumiria milhões de vidas. Engels, por uma questão objetiva, não podia
entender que o que estava ocorrendo na última década daquele século era a
transição do capitalismo de livre concorrência para sua fase monopolista. Isto
caberia a Lenin mais tarde compreender e formular como a fase superior e última
do capitalismo, época em que começara e terminara a partilha do mundo entre as
potências de então, época da revolução proletária. Ainda assim, Engels preverá
acertadamente e com muita antecedência a primeira guerra imperialista em grande
escala, a I Guerra Mundial.
A compreensão de Engels sobre a sociedade capitalista (o que possibilitou a
ele e a Marx descobrirem a lei geral do desenvolvimento da história), bem como o
manejo rigoroso do materialismo dialético, permitiu que fizesse tais previsões e
não qualquer tipo de especulação e charlatanice. Lenin, com semelhante argúcia
científica, após o grande êxito da primeira revolução proletária em outubro de
1917 na Rússia, de cuja direção fora genial artífice, previu que a revolução
proletária não se desenvolveria como até então pensavam os marxistas, ou seja,
nos países capitalistas desenvolvidos, mas sim na direção dos países mais
atrasados, que no sistema imperialista ocupavam a condição de colônias ou
semicolônias dos primeiros. Foi assim que o problema colonial tornou-se pedra
angular para o marxismo na época imperialista e para a revolução proletária. As
análises e previsões de Lenin também se revelaram proféticas.
Tanto Engels quanto Lenin compreendiam o marxismo não como um dogma, mas
levavam-no muito a sério como ciência e puderam fazer contribuições imortais à
causa do socialismo e do comunismo.
A propósito de celebrar os 95 anos do Grande Outubro, da Revolução
Bolchevique na Rússia em 1917, oportunamente trazemos à baila um dos últimos
escritos de Lenin com que, para defender a Revolução Bolchevique dos ataques de
seus inimigos, denuncia o dogmatismo de pretensos marxistas e desmascara toda
sua charlatanice. No artigo Sobre a nossa revolução: acerca das notas de
N. Sukhánov, de fevereiro de 1923, Lenin responde ao menchevique citado,
emigrado na Europa, em suas pedantes lições de marxismo.
E como previra no referido artigo de resposta a Sukhánov, a revolução
proletária seguiu no rumo do Oriente, com o auge revolucionário na Índia, na
longa e grandiosa revolução na China, na Coreia, Vietnã e outros. A dominação
imperialista agudizara formidavelmente as contradições com as guerras de rapina
e pelo botim dos países e povos oprimidos, empurrando as massas para a luta de
resistência e de libertação. Foi compreendendo essas indicações de Lenin que o
Presidente Mao pôde desenvolver suas brilhantes teses da revolução de nova
democracia ininterrupta ao socialismo e da guerra popular.
Foi na direção das indicações de Lenin sobre as nações e povos oprimidos,
países que crescentemente reuniam a imensa maioria da população do planeta, que
o Presidente Mao afirmou serem Ásia, África e América Latina "as zonas de
grandes tempestades revolucionárias." Foi a alta compreensão de Lenin sobre
o problema colonial que abriu caminho para que o marxismo pudesse, ademais da
sua etapa de desenvolvimento leninista, saltar mais a frente com uma nova,
terceira e superior etapa de desenvolvimento do marxismo, o maoísmo.
O presente artigo de Lenin é profético e além de demonstrar a aplicação
criadora do marxismo à realidade do mundo, rechaçando o dogmatismo, aponta o
rumo por onde a revolução proletária iria se desenvolver. E como de fato seguiu
e continua a seguir.
Sobre a nossa
Revolução
A propósito das notas de N.
Sukhánov
V.I. Lênin
I
Folheei nestes dias as notas de Sukhánov sobre a revolução.
O que salta sobretudo à vista é o pedantismo de todos os nossos democratas
pequeno-burgueses, bem como de todos os heróis da II Internacional. Sem falar já
de que são extraordinariamente covardes e de que mesmo os melhores deles se
enchem de reservas quando se trata do menor desvio relativamente ao modelo
alemão, sem falar já desta qualidade de todos os democratas pequeno-burgueses,
suficientemente manifestada durante toda a revolução, salta à vista a sua servil
imitação do passado.
Todos eles se dizem marxistas, mas entendem o marxismo de uma maneira
extremamente pedante. Não compreenderam de modo nenhum aquilo que é decisivo no
marxismo: precisamente a sua dialética revolucionária. Não compreenderam em
absoluto nem mesmo as indicações diretas de Marx, dizendo que nos momentos de
revolução é necessária a máxima flexibilidade1, e nem sequer
notaram, por exemplo, as indicações de Marx na sua correspondência, referente,
se bem me recordo, a 1856, na qual expressava a esperança de que a guerra
camponesa na Alemanha, capaz de criar uma situação revolucionária, se unisse ao
movimento operário2 – eludem mesmo esta indicação direta, dando
voltas em volta dela como o gato em volta do leite quente.
Em toda a sua conduta revelam-se uns reformistas covardes que temem
afastar-se da burguesia e, mais ainda, romper com ela, e ao mesmo tempo ocultam
a sua covardia com a fraseologia e a jactância descarada. Mas, mesmo do ponto de
vista puramente teórico, salta à vista em todos eles a sua plena incapacidade de
compreender a seguinte ideia do marxismo: viram até agora um caminho determinado
de desenvolvimento do capitalismo e da democracia burguesa na Europa Ocidental.
E eis que eles não são capazes de imaginar que este caminho só pode ser
considerado como modelo mutatis mutandis*, só com algumas correções
(absolutamente insignificantes do ponto de vista do curso geral da história
universal).
Primeiro - uma revolução ligada à primeira guerra imperialista mundial. Numa
tal revolução deviam manifestar-se traços novos ou modificados precisamente em
consequência da guerra, porque nunca houve no mundo tal guerra em tal situação.
Vemos que até agora a burguesia dos países mais ricos não podem organizar
relações burguesas "normais" depois dessa guerra, enquanto os nossos
reformistas, pequenos burgueses que se armam em revolucionários, consideravam e
consideram como um limite (além disso, insuperável) as relações burguesas
normais, compreendendo esta "norma" de uma maneira extremamente estereotipada e
estreita.
Segundo - é-lhes completamente alheia qualquer ideia de que dentro das leis
gerais do desenvolvimento em toda a história mundial não estão de modo nenhum
excluídas, mas, pelo contrário, pressupõem-se determinadas etapas de
desenvolvimento que apresentam peculiaridades, quer na forma quer na ordem desse
desenvolvimento. Nem sequer lhes passa pela cabeça, por exemplo, que a Rússia,
situada na fronteira entre os países civilizados e os países que pela primeira
vez são arrastados definitivamente por esta guerra para o caminho da
civilização, os países de todo o Oriente, os países não europeus, que a Rússia
podia e devia, por isso, revelar certas peculiaridades, que naturalmente estão
na linha geral do desenvolvimento mundial, mas que distinguem a sua revolução de
todas as revoluções anteriores dos países da Europa Ocidental e que introduzem
algumas inovações parciais ao deslocar-se para os países orientais.
Por exemplo, não pode ser mais estereotipada a argumentação por eles usada,
que aprenderam de memória na época do desenvolvimento da social-democracia da
Europa Ocidental e que consiste no fato de que nós não estamos maduros para o
socialismo, de que não existem no nosso país, segundo a expressão de vários
"doutos" senhores dentre eles, as premissas econômicas objetivas para o
socialismo. E não passa pela cabeça de nenhum deles perguntar: não podia um povo
que se encontrou numa situação revolucionária como a que se criou durante a
primeira guerra imperialista, não podia ele, sob a influência da sua situação
sem saída, lançar-se numa luta que lhe abrisse pelo menos algumas possibilidades
de conquistar para si condições que não são de todo habituais para o crescimento
ulterior da civilização?
"A Rússia não atingiu um nível de desenvolvimento das forças produtivas que
torne possível o socialismo." Todos os heróis da II Internacional, e entre eles,
naturalmente, Sukhánov, se comportam como se tivessem descoberto a pólvora.
Ruminam esta tese indiscutível de mil maneiras e parece-lhes que é decisiva para
apreciar a nossa revolução.
Mas que fazer, se uma situação peculiar levou a Rússia, primeiro à guerra
imperialista mundial, na qual intervieram todos os países mais ou menos
influentes da Europa Ocidental, e colocou o seu desenvolvimento no limite das
revoluções do Oriente, que estão a começar e em parte já começaram, em condições
que nos permitiram levar à prática precisamente essa aliança da "guerra
camponesa" com o movimento operário sobre as quais escreveu um "marxista" como
Marx em 1856 como uma das perspectivas possíveis com relação à Prússia?
Que fazer se uma situação absolutamente sem saída, decuplicando as forças dos
operários e camponeses, abria perante nós a possibilidade de passar de maneira
diferente de todos os outros países da Europa Ocidental à criação das premissas
fundamentais da civilização? Alterou-se por isso a linha geral de
desenvolvimento da história universal? Alteraram-se por isso as correlações
fundamentais das classes fundamentais em cada país que se integra e integrou já
no curso geral da história mundial?
Se para criar o socialismo é necessário um determinado nível de cultura
(ainda que ninguém possa dizer qual é precisamente esse determinado "nível de
cultura", pois ele é diferente em cada um dos Estados da Europa Ocidental), por
que é que não podemos começar primeiro pela conquista, por via revolucionária,
das premissas para esse determinado nível, e já depois, com base no poder
operário e camponês e no regime soviético, pôr-nos em marcha para alcançar os
outros povos?
16 de Janeiro de 1923.
II
Para criar o socialismo, dizeis, é necessária civilização. Muito bem. Mas
então, por que não havíamos de criar primeiro no nosso país premissas da
civilização como a expulsão dos capitalistas russos e depois iniciar um
movimento para o socialismo? Em que livros lestes que semelhantes alterações da
ordem histórica habitual são inadmissíveis ou impossíveis?
Lembro que Napoleão escreveu: "On s'engage et puis ... on voit". Traduzido
livremente para russo isto quer dizer: "Primeiro lançamo-nos no combate sério e
depois logo vemos". E nós, em Outubro de 1917, iniciamos primeiro o combate
sério e depois logo vimos os pormenores do desenvolvimento (do ponto de vista da
história universal trata-se indubitavelmente de pormenores), tais como a Paz de
Brest ou a NEP, etc. E hoje não há dúvida de que, no fundamental, alcançamos a
vitória.
Os nossos Sukhánov, sem falar já daqueles sociais-democratas que estão mais à
direita, nem sonham sequer que as revoluções em geral não se podem fazer de
outra maneira. Os nossos filisteus europeus não sonham sequer que as futuras
revoluções nos países do Oriente, com uma população incomparavelmente mais
numerosa e que se diferenciam muito mais pela diversidade das condições sociais
apresentarão sem dúvida mais peculiaridades do que a Revolução Russa.
Nem é preciso dizer que o manual redigido segundo Kautsky foi, na sua época,
uma coisa muito útil. Mas já é tempo de renunciar à ideia de que esse manual
tinha previsto todas as formas de desenvolvimento ulterior da história mundial.
Àqueles que pensam desse modo é tempo já de os declarar simplesmente
imbecis.
17 de Janeiro de 1923.
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*Mutatis
mutandis - expressão latina que significa: mudando o que tem de ser
mudado1 Lenin refere-se à caracterização da Comuna de Paris como
"forma política inteiramente expansiva" na obra de Marx A Guerra
Civil em França e à elevada apreciação da "elasticidade" dos parisienses
feita por Marx na carta a L. Kugelmann de 12 de Abril de 1871. 2 Lenin alude
ao seguinte trecho de uma carta de K. Marx a F. Engels de 16 de Abril de 1856:
"Tudo na Alemanha dependerá da possibilidade de apoiar a revolução proletária
por uma espécie de segunda edição da guerra camponesa. Então a coisa será
ótima".
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