Restauração capitalista na República Popular da China (Prefácio e Introdução)
Nota do blog: Iniciamos
agora a publicação da obra “Restauração capitalista na República Popular
da China”. Analisando a luta de duas linhas no decorrer da ditadura do
proletariado e a sociedade chinesa, o professor Antonio Rosales Vargas
busca contribuir para o debate. Publicado em Lima/Peru, em 1989, a obra completa está sendo traduzido pelo núcleo de colaboração do blog.
Nós dividiremos sua publicação entre 7 partes, a seguir: “Introdução e Prefácio”, “Capítulo I: O sistema de propriedade”, “Capítulo II: Velhas classes derrubadas mais ‘direito burguês’ e novo tipo de burguesia no socialismo”, “Capítulo III: Burguesia e Oportunismo em procura da restauração desde à superestrutura”, “Capítulo IV: A reacionária ‘Teoria dos Três Mundos'”, “Capítulo V: Assalto revisionista e restauração completa” e “Conclusões necessárias”
Aliás, o livro é muito oportuno. Visto que a
experiência da ditadura do proletariado na China durou 27 anos e, no
entanto, foi a mais profunda até agora vista. Assim como a experiência
do proletariado russo, o chinês deu aportes únicos e universais que
fizeram a ideologia do proletariado evoluir em saltos qualitativos,
carregando os nomes de suas chefaturas (leninismo e maoismo,
respectivamente, devenindo-se em marxismo-leninismo-maoismo). A
experiência chinesa, particularmente, resolveu o problema da continuação
da revolução proletária e da direção da luta contra a burguesia sob a
ditadura do proletariado: a Grande Revolução Cultural Proletária.
Pormenorizando mais a questão, vemos que,
para chegar até essa conclusão, o proletariado chinês, dirigido pelo
Partido Comunista sob chefatura do Presidente Mao Tsetung, compreendeu
muitas coisas mais. Compreendeu que a burguesia subsiste no socialismo,
tendo sua base social na pequena produção, pequeno comércio, sendo
engendrada em massa e a cada dia e minuto, através das diferenças entre
cidade e campo, camponês e operário e trabalhos intelectual e manual,
além do direito burguês, de tal modo que a luta de classes continua. A
burguesia, como classe exploradora, uma vez desprovida da enorme
propriedade privada, não dispõe de Poder e, no entanto, recorre à luta
ideológica como forma principal de luta política: o anfiteatro da luta
de classes passa para dentro do Partido Comunista, especificamente na
sua direção, através da luta entre marxista e revisionismo, entre a via
socialista contra a capitalista, entre proletariado e burguesia. A
Revolução Cultural cumpre muito bem o papel de aprofundar a crítica,
combater a burguesia nos terrenos da superestrutura por onde ela trava
sua luta e, não menos importante, varrer dos cargos importantes do
Estado, Exército e do Partido os elementos antagônicos ao proletariado, a
linha de direita, dos revisionistas.
O Presidente Mao foi muito feliz quando,
magistralmente, afirmou que o Partido é, como tudo, uma contradição,
reflexo da sociedade de classes e, portanto, nele também há luta de
classes e luta de linhas: a esquerda sempre é bem maior que a direita, e
o centro sempre é maior do que a esquerda. O segredo é jogar com o
centro (que não é antagônico à esquerda) e isolar a direita, para
conseguir aprofundar a ditadura do proletariado
e combater a própria direita. O centro do Partido, também compreendeu
Mao, não é antagônico com a linha esquerda assim como é a direita com a
esquerda; portanto, a contradição entre esquerda e o centro no Partido
se resolve na persuasão e na prática da luta de duas linhas. Ao
contrário, a direita deve ser isolada e esmagada. Portanto, a
restauração se torna politicamente possível quando, mais do que o
crescimento e escalada da própria direita ocorre, mas quando a esquerda
permite isolar-se o suficiente a ponto do centro ser dirigido pela
direita. O Presidente Mao, maior representante da linha esquerda,
enquanto vivo, influenciou de forma brilhante o centro (representado por
Chou En-lai) à serviço da ditadura do proletariado; com seu afastamento
prático, a linha esquerda (Chiang Ching, Chang Chun-chao, etc.) não
conseguiu fazê-lo. Assim foi politicamente possível a restauração
capitalista na China.
Sem mais delongas, a dúvida que sobressalta a
todos os companheiros que estudam a questão é: se fora tão profunda,
por quais erros foi derrotada a ditadura do proletariado chinês?
Essa questão, complexa e prolongada, busca ser respondida a seguir, pelo professor Antonio Rosales Vargas, em sua obra “Restauração capitalista na República Popular da China”.
Os números entre colchetes referem-se às páginas do livro.
As imagens anexas às publicações em questão são nossas e não estão publicadas no livro.
As imagens anexas às publicações em questão são nossas e não estão publicadas no livro.
Restauração capitalista na República Popular da China
Antonio V. Rosales – Peru, 1989.
1ª Edição – 1989
2ª Edição – 2008
2ª Edição – 2008
PREFÁCIO
[7] Eu li com grande prazer o excelente
livro do professor Antonio Rosales Vargas intitulado “Restauração
Capitalista na República Popular da China”. A razão de nosso interesse é
de ordem teórica.
Sem lugar a nenhuma dúvida, o fato mais
fenomenal que assistimos, logo após o término da Segunda guerra Mundial,
foi o triunfo da majestosa Revolução conduzida por Mao Tsetung na
imensa China. Vieram as obras de Mao, que todos devorávamos com enorme
interesse. Tanto “Sobre a Nova Democracia” como “Uma só Faísca Pode Incendiar Toda a Pradaria”,
não só as estudávamos como também as transcrevíamos com a máquina e no
mimeógrafo. As grandes possibilidades da guerra de guerrilhas e o enorme
aporte das Comunas Populares foram as novidades que Mao pôs na mesa do
debate teórico. Em nosso entender, o desenvolvimento da Comuna Popular
poderia permitir a visualização de uma sociedade socialista moderna e em
que a mercadoria vá deixando progressivamente de ter significação
econômica, o que na concepção de Marx é um pré-requisito da paulatina
desaparição do capitalismo. Isto constituiu obviamente um fato de enorme
importância teórica. Sua aproximação é o que segue: Segundo Marx e
Engels, o socialismo supõe a extinção progressiva da mercadoria, posto
que o capitalismo se funda no comércio de bens. As Comunas chinesas nas
que se produzia para o autoconsumo e nas que se tendia à
autossuficiência, a tal ponto em que nelas se possuíam até industrias
pesadas; essas comunas podiam intercambiar bens excluindo o lucro, com
que o quadro continuava completo no que toca à supressão de mercadorias.
Desta forma o grande aporte das Comunas Populares parecia resolver um
grande [8] problema teórico levantado ante à construção do socialismo.
Mas para que as Comunas pudessem existir e
desenvolver era preciso que houvesse um governo forte e centralizado,
que não é outro que a ditadura do proletariado. Tal ditadura teve que
contar com um grande aparato burocrático, em que trabalhavam
funcionários que tendiam a defender seus próprios interesses, que nem
sempre são os mesmos interesses dos socialistas comunitários. Há aqui
uma não duvidável contradição, que Mao a percebeu com uma particular
clarividência e por isso é que estabeleceu que periodicamente os
burocratas realizassem trabalhos manuais: a cada certo tempo deviam
trabalhar como simples operários. Mas, por suposto, a burocracia é muito
poderosa, tanto que tendia a ganhar cada vez mais terreno na conquista
de seus privilégios. Nestes avanços Mao viu o perigo de aburguesamento;
pensava que se a burocracia se impusesse definitivamente, o Estado
chinês degeneraria até formas claramente capitalistas e por isso se
preocupou quando constatou que os avanços da burocracia eram já
importantes desde 1966, em que propõe ao Comitê Central do Partido
Comunista da China a realização do que veio a denominar-se de Revolução
Cultural Proletária. Parece que Mao pensava que contra o burocratismo
havia que lutar em dois planos: no plano corrente, fazendo que os
funcionários realizassem periódicos trabalhos manuais, e no plano
cíclico mediante o recurso de grandes revoluções culturais que deviam
efetivar-se a cada certo tempo, quando o burocratismo havia realizado
avanços significativos. Só assim pensava que as forças do passado não
voltariam a retomar seus antigos bastiões de poder e privilégios. As
periódicas revoluções culturais de Mao são algo assim como
rejuvenescimento de uma revolução que, de outra forma, tenderia à
burocratização, ao aburguesamento e à volta ao passado.
Daí que nessa perspectiva, que é a
perspectiva maoista, a contradição se apresenta entre a restauração do
capitalismo e a consolidação do socialismo, que se manteria unicamente
se as periódicas revoluções culturais triunfarem contra as tendências
passadistas.
Pois bem. Esse grande problema ou
contradição é tratado com uma notável conversa por Antonio Rosales
Vargas em seu livro sobre “Restauração Capitalista na República Popular
da China”. Começa o autor analisando as características de um Estado [9]
representativo tanto da coletividade como do proletariado, em cujo nome
exerce a ditadura. Passa depois a assinalar que o direito burguês se
esconde atrás das posturas e posições dos altos funcionários do Estado.
Em seguida, analisando com habilidade as posturas oportunistas de Liu
Shao-chi e Teng Siao-ping e a forma em que se aproveitam da comemoração
da morte de Chou En-lai para provocar um incidente contrarrevolucionário
na grande Praça Tienanmén, a partir de quando se produz depois o
assalto do poder política por parte dos revisionistas que, na concepção
de Rosales, restauram completamente o capitalismo na República Popular
da China após a morte de Mao. Termina o livro estabelecendo as
necessárias conclusões que se desprendem da experiência chinesa.
Há uma digressão que sempre é necessário
fazer, quando se está ante um trabalho da natureza do que nos oferece o
professor Rosales; é a que toca a se o livro é importante ou não para
nós que vivemos e lutamos em um país como o Peru, longe ainda dos
problemas que confrontou e confronta a China. Por momentos, devo
dizê-lo, o livro não me parecia transcendente para nós, agora. mas logo
compreendi sua importância que, inclusive, excede as aspirações do
autor. Essa importância se conecta com uma discussão que continuou
truncada quando se realizou a formidável Revolução Russa, quando Lenin
propôs um modelo de organização sócio-econômica encaminhado até o
socialismo. A esta proposta lhe seguiu a proposta maoista, centrada nas
Comunas Populares, a continuação da revolução socialista e a ditadura
absoluta do proletariado que dão solução a vários problemas teóricos no
que à construção do socialismo se refere, mas que desgraçadamente não
tem concitado a suficiente atenção de parte dos teóricos do socialismo
da época presente, com o que muitos aspectos do período de transição
continuam ainda na obscuridade, a qual se faz maior ainda ante as
frustrações soviética e chinesa.
Por fim, a obra do professor Rosales
acreditamos que deve ser o ponto de partido para que nós socialistas
meditemos criativamente nos grandes problemas que levanta a “criação
heroica” de uma grande e florescente sociedade superior.
Lima, 1987.
Virgilio Roel Pineda
INTRODUÇÃO
[11] Na República Popular da China foi
restaurado o capitalismo e a ditadura da burguesia. Este fenômeno
constitui uma grande perda para o movimento comunista internacional, à
revolução e ao socialismo. Quando tudo parecia andar sobre rodas para o
proletariado, um golpe de Estado contrarrevolucionário, deteve a marcha
socialista da grande China Popular. O fato, naturalmente, trouxe
incerteza e confusão ao seio da classe operária e do resto do povo
trabalhador.
Alguns acreditam que o socialismo é uma
coisa acabada e perdem rapidamente a orientação nte qualquer momentâneo
revés na luta. Não compreendem que o socialismo é só uma etapa
transitorial entre capitalismo e comunismo. Marx deixou muito clara a
ideia. Disse: “Aqui não se trata de uma sociedade comunista que se
desenvolveu sobre sua própria base, mas de uma que acaba de sair
precisamente da sociedade capitalista e que, portanto, apresenta ainda
em todos seus aspectos, no econômico, no moral e no intelectual, o selo
da velha sociedade de cuja entranha procede”. O socialismo não é
ainda o comunismo, e não sendo-o, nele subsistem ainda alguns grandes
flagelos da [12] sociedade capitalista como o “direito burguês” e as
diferenças entre o proletariado e o campesinato; entre a cidade e o
campo e entre o trabalho manual e o trabalho intelectual; subsistem a
produção de mercadorias e o intercâmbio por meio do dinheiro, subsiste a
pequena produção e subsistem as classes exploradoras derrotadas, todo o
qual constitui o terreno ou as condições em que se engendram
capitalismo e burguesia. Então é possível que se apresentem retrocessos
enquanto se constrói o socialismo, é possível cometer erros no processo
de construção e sofrer derrotas transitórias.
A burguesia recobrou o Poder na China e
estabeleceu uma ditadura burguesia social-fascista. Esta é uma
experiência muito dolorosa, vinda pela falta de três garantias políticas
que deveriam velar pelo socialismo. Faltaram, em geral, três garantias
para a vida do socialismo na China: 1) o PCCh não sustentou com firmeza a
chave do desenvolvimento socialista, isto é, a luta do proletariado no
Poder contra a burguesia despojada de Poder, pois a conduziu
defeituosamente, sem profundidade, sem vigor, sem continuidade e com
excessos de magnanimidade para com seu inimigo principal; 2) o PCCh não
levou até o fim a continuação da revolução proletária nas condições do
socialismo, ou Revolução Cultural Proletária; só deu o primeiro passo,
um passo vacilante, irresoluto, e continuou assim, no começo, concedendo
trégua e desenvolvimento à burguesia, ao revisionismo e aos fatores
econômicos de recuperação capitalista; 3) o PCCh, sem agarrar
resolutamente a chave e com uma Revolução Cultural Proletária
inconclusa, não logrou fazer desenvolver a ditadura do proletariado a
sua expressão mais elevada, ele não alcançou a Ditadura Onímoda do
proletariado e permitiu que a burguesia e o revisionismo usurpassem
dissimuladamente a direção de alguns setores partidários e órgãos da
ditadura proletária e de muitos departamentos econômicos e culturais
socialistas. Não se impôs a ditadura dos operários em todo o organismo
socialista; onde não esteve presente, ou esteve só na forma, se
organizaram verdadeiros quarteis burgueses e revisionistas que se
moveram até a recaptura do Poder.
Nestas três grandes faltas reside a concreta
responsabilidade histórica do PCCh de aquele tempo e de seus máximos
dirigentes marxistas-leninistas-maoistas com respeito à perda do Poder
proletário. Mas uma verdade é necessário ressaltar com muita ênfase ante
à euforia burguesa, imperialista e revisionista, e é que a restauração
capitalista [13] na China tem a natureza de um fracasso temporário na
história, um fracasso que sofreu o proletariado chinês no curso da luta
pelo comunismo em crescimento contra o capitalismo moribundo, mas o
proletariado chinês transformará esse fracasso em vitória, porque
constitui uma classe nova e revolucionária, tanto que a burguesia será a
que pesará definitivamente com a derrota porque constitui uma classe
velha e decadente. Assim o indica a tendência da história. Uma derrota
de um Partido Comunista não pode mudar o rumo da história mundial nem
impedir que o proletariado cumpra sua missão histórica nem, muito menos,
levar à conclusão de que a ideologia completa do proletariado perdeu
eficácia; a parte não pode envolver ao todo. O
marxismo-leninismo-maoismo se forjou e desenvolveu-se na luta, a luta é
seu cadinho; em cada combate de classe, já seja na vitória ou na
derrota, se renova, se enriquece e se volta sempre vigente e inesgotável
luz que resplandece o futuro do proletariado.
O socialismo é uma longa etapa histórica em
que continua, sob novas formas, a luta do proletariado para desenvolver
seu Poder, contra a burguesia que insiste em recuperar o seu. Na longa
etapa histórica do socialismo o proletariado deve resolver grandes e
difíceis problemas para assegurar sua vitória; mas a solução requer
bastante tempo. O proletariado chinês estava condenado a resolver o
problema da continuação da revolução sob sua ditadura, o problema da
existência simultânea e contradição entre as relações de produção e as
forças produtivas e entre a superestrutura e a base econômica, o
problema de por que é inevitável o “direito burguês” mas é necessário
restringi-lo, o problema de não poder suprimir ainda o sistema de
mercadorias, a troca por meio do dinheiro e a distribuição para cada um
segundo seu trabalho mas atender à necessidade de prevenir que isso
origine capitalismo, o complicado problema de como se engendram novos
elementos burgueses no socialismo, etc. Na clara tarefa de resolver
estes tremendos problemas do socialismo lhe sobreveio, ao proletariado
chinês, o reacionário golpe de Estado de outubro de 1976 a partir do
qual se restaurou o capitalismo e a ditadura da burguesia na China.
No entanto, estamos seguros que os
revolucionários marxistas-leninistas-maoistas e o proletariado chinês
sacarão lições valiosas desta amarga derrota, que se restabelecerão, que
lograrão a contrarrevolução e que obterão por fim a vitória. Além,
sobre a firmeza de nossa convicção, temos o dever de examinar a [14]
causalidade dessa temporária derrota. As páginas que seguem falarão
dessas causas, na seguridade de que – como anunciou Mao Tsetung – “os
próximos 50 a 100 anos mais ou menos, a partir de hoje, serão uma
grande época de mudança radical do sistema social no mundo, uma época
que estremecerá a terra, uma época com a que nenhuma outra anterior
poderá comparar-se. Vivendo nela, devemos estar prontos para travar
grandes lutas que terão muitas características diferentes às formas de
luta do passado”.
Antonio Rosales V.
No hay comentarios:
Publicar un comentario