O espetáculo da crise e as causas da crise
Artigo da Página 3 da edição 168 do jornal A Nova Democracia
Fausto Arruda
Patético! Mas é difícil saber o que foi mais: se a histeria dos oradores de ambos os lados da pugna na sessão da câmara, ou se a ufania cínica da cobertura “jornalística” do monopólio da imprensa. Cômicas as cenas de deputados votando pelo impeachmentalegando defesa da moralidade e da democracia. Simplesmente ridículo as comparações entre a proposição do impeachment com os acontecimentos dramáticos de 1964 pelos deputados governistas. Insultante os deputados invocarem pelos nomes de mulheres e homens honrados que verteram seu sangue na luta contra o regime militar fascista ao proferir seus votos em defesa de um governo medíocre de gente renegada da causa pela qual estes heróis do povo sacrificaram suas vidas. Revoltante assistir reacionários de carteirinha acusar de comunistas os traidores da revolução.
Triste
mesmo é ver contingentes massivos da população brasileira, que em sua
justa indignação com toda esta situação de desmandos saem às ruas para
expressar sua revolta e alentar esperanças de mudanças, caírem como
vítimas fáceis da manipulação grosseira por parte dos monopólios de
comunicação — Rede Globo à cabeça — e
serem usados como massas de manobras para dar legitimidade aos arranjos
que mais convém e interessa às classes dominantes, para salvar suas
instituições e assegurar a manutenção deste apodrecido sistema de
exploração e opressão.
Nestes
dias de agravamento e generalização da crise no país, nossos ouvidos
são entupidos diuturnamente de todo tipo de charlatanice sobre
democracia, moralidade e justiça. E saem da boca dos dois lados que se
digladiam desesperadamente pelo controle da direção do velho e corrupto
Estado brasileiro.
Servindo-se do clamor das ruas — expresso na indignação de amplos setores da população, já enojados com as práticas putrefatas da velha política —,
a chamada “oposição” (PSDB, DEM, as demais siglas de aluguel e agora a
maioria de deputados do PMDB que pulam do barco que afunda), useira e
vezeira das mesmas práticas corruptas, joga com tudo para depor o
governo petista.
Por
sua vez, o PT e sua “frente popular” oportunista eleitoreira, que nunca
compreendeu o conceito científico de democracia e não demorou para
adotar o dogma burocrático e vazio de democracia predicado pela
burguesia, serve-se da mesma verborreia para denunciar a oposição como
golpista. Foi o PT que decidiu se afastar de todo e qualquer vestígio de
ideias revolucionárias*, mas nunca teve qualquer vínculo verdadeiro com
o marxismo, o que ele mesmo rapidamente se encarregou de deixar
patente.
Foi
o PT que deliberou que seu “projeto socialista” seria alcançado via o
velho Estado de grandes burgueses e latifundiários, a serviço do
imperialismo, principalmente ianque, e todo seu apodrecido sistema
político de governo, com sua farsa eleitoral embelezada como a menina
dos olhos da democracia. Mais que isto, trocou o radicalismo retórico de
seus pelegos e professores trotskistas pelo surrado discurso reformista
de “projeto de desenvolvimento para o Brasil”, donde seus intelectuais
pequeno-burgueses pariram a mediocridade teórica de “desenvolvimentismo
popular”. Tudo como manto para encobrir sua condição de mero
gerenciamento de turno do velho Estado corrupto e genocida, das classes
dominantes locais e do imperialismo.
Foi
o PT e seu corifeu mor, com o poder subido à cabeça, que justificou e
reforçou todos os mecanismos jurídicos e aparatos repressivos do Estado.
Criaram novos aparatos repressivos, lançando-os contra os camponeses e
indígenas em luta pela terra e a tão propalada “pacificação das
favelas”, com a instituição das famigeradas e genocidas UPPs. Foi o PT,
fazendo eco à reação oligárquica nos aparelhos do judiciário e dos
monopólios da imprensa, que elevou a criminalização dos movimentos
populares, ademais da cooptação dos que o serviam, a uma escala só
comparável com os períodos de regimes militares fascistas. Foi o governo
do PT/Dilma que, repetindo a mesma linguagem reacionária dos generais
do regime militar, taxou as manifestações de 2013 de “baderna”, ao tempo
que alardeava que a “democracia era uma realidade consolidada no país”.
Foi o PT que se calou e justificou toda a criminalização, prisões,
processos e condenações dos jovens participantes das manifestações de
2013 e 2014. Foi o PT/Dilma que enviou ao Congresso — que a aprovou recentemente — a “lei antiterrorismo”.
Agora,
pego em flagrante nas trapalhadas e práticas niveladas na vala comum da
politicalha nacional, a corrupção, grita por socorro por salvar-se
ameaçado que está o seu governo, pelos artifícios da política
semicolonial, como o da “responsabilidade fiscal”, entre outros
procedimentos reacionários que ajudou a fortalecer ou a criar. A disputa
eleitoreira com a oposição, partidos e candidatos que se lambuzaram com
propinas e negociatas, foi transformada numa contenda de hipocrisia sem
fim pela moralização, quando todas as instituições deste Estado
burocrático, ao nível dos três poderes, são uma história só de desmandos
e corrupção.
E
o PT e seus carrapatos revisionistas, como o PCdoB, repetem a exaustão
que é “uma perseguição política das elites que não se conformam com um
governo que fez muito para os pobres” ou blá-blá-blá parecido. O fato de
que todo o cacarejo anticomunista e apologista do deus mercado, de seus
falcões do monopólio da imprensa e da direita rançosa aproveitarem a
ocasião para alardearem-se, servindo do selo que o PT e seus congêneres
aplicaram a si mesmos de “esquerda” e até, pasmem, de “comunistas”, só
tem relação com o fato de que, no tempo do regime militar fascista,
muitos dos que compõem estas siglas foram de esquerda. Mas que renegaram
completamente do marxismo com a ofensiva geral da contrarrevolução
desatada nos anos de 1980, com Gorbachov e sua podre perestroika ao
mando. Inclusive, não foram poucos e poucas, dentre proeminentes
figuras da política oficial de hoje, que, para salvar a própria pele,
delataram seus companheiros para os facínoras do regime militar.
A base de toda a crise atual
Caracterizar
a atual polarização como entre esquerda e direita, entre golpistas e
democratas, é puro engano e interessa somente ao PT e sua frente por um
lado e, por outro, ao PSDB de Aécio e os entulhos de extrema-direita à
guisa de voltar à cena política do país. A imensa maioria das massas que
vão às ruas protestar e são arrastadas nesta polarização, na verdade,
rechaçam a todos estes partidos e suas práticas. Além do que, o discurso
chantagista para constranger as pessoas de bem a tomar o seu lado, só
serve para reforçar a ideia atrasada e falsa de que a única forma do
Brasil progredir ou melhorar, um pouco que seja, é através da via
institucional, ou seja, através de sucessivos governos de uma ou outra
coligação das siglas do Partido Único.
Não,
senhores! A atual polarização como está alardeada é uma farsa, pois é,
simplesmente, a polarização entre grupos de poder representantes das
frações das classes dominantes. A pugna entre eles se agudizou porque a
crise econômica conduz a um agravamento das disputas entre as frações
das classes dominantes e se expressa através da luta entre os diferentes
grupos de poder ou siglas partidárias.
Vamos
ao grão da questão: tomemos a anatomia econômica do nosso país. Toda
esta situação de crise política a que chegou o país tem uma base
econômica. A base econômica da atual crise política é a crise econômica do país,
cujas causas são determinadas, em primeiro lugar, por sua natureza
semicolonial/semifeudal, de seu capitalismo burocrático atrasado e, em
segundo lugar, como reflexo da crise geral do imperialismo,
particularmente da crise desatada no USA, em 2008, e que segue rondando o
mundo atolado em depressão. E é esse capitalismo de bases podres e
relações anacrônicas, mas embrulhadas em brilhantes embalagens como
forma de seguir servindo aos interesses do capital financeiro e ao
imperialismo. Decorrência disto — por mais que possam maquiar as relações e estruturas econômicas e políticas — o
aparelho estatal necessário em assegurar a ordem estabelecida, de
tempos em tempos, revela sua verdadeira natureza apodrecida, em que a
corrupção é tão somente uma das formas inevitáveis de seu funcionamento.
E
sendo a crise de todo o sistema imperialista, seus reflexos em países
como o nosso chegam a ser devastadores para a economia nacional, dada à
sua fragilidade de economia semicolonial. Portanto, a crise econômica do
país não se deve exatamente a que o gerenciamento de Dilma teria
cometido erros de gestão. Dilma, como Luiz Inácio e os demais governos
anteriores, fizeram o que lhes foi ditado pelo “mercado”, pelos
banqueiros, pelas corporações, por Wall Street, enfim, pelo
imperialismo. Esta acusação é também demagogia de candidatos à sua vaga
na presidência e manejo canalha que comanda a Rede Globo e seus
especialistas em tudo, os quais, outro dia mesmo, enchiam a bola de
Dilma e seu governo.
O
gerenciamento Dilma, tal qual de Luiz Inácio, aplicou em todos os
termos o receituário do imperialismo ditado pelo FMI e o Banco Mundial. A
única diferença com o gerenciamento do PSDB/FHC é que fizeram um pouco
mais de “programas sociais”, liberaram e fizeram uma verdadeira farra do
crédito ao consumidor para criar uma classe média “feita no fiado” e
para a propaganda massificante de um “empreendedorismo” tal que não é
mais do que um simulacro fuleiro do “modo de vida americano”. Enfim, políticas que, num país como nosso, só podem ocorrer como pura charlatanice e covarde ilusão das massas.
E
isto não pode ser considerado como nenhum conceito de melhoramento de
condições de vida, minimamente decente. Tampouco seus executores podem
reclamar autoria sobre os mesmos, pois que não há nada de original
neles, são orientações do imperialismo já velhas e surradas nos manuais
do Banco Mundial. O que deve, sem dúvida, enervar os chefes
imperialistas frente tanta inépcia, ineficiência e corrupção de seus
lacaios. Neste caso, os gerenciamentos do PT pareciam que ganhariam nota
10 da côrte, só que no quesito corrupção… No dia da posse do primeiro
mandato presidencial de Luiz Inácio, Delfim Netto, personagem que
dispensa qualquer apresentação e que, à época, desempenhava-se de
“assessor de economia” de Luiz Inácio, foi indagado sobre o que achava
que seria o governo de Luiz Inácio e do PT, ao que respondeu curto e
grosso: “Será mais do mesmo”.
O
que o PT, com Luiz Inácio e Dilma, fez enquanto aplicava tudo de
essencial do receituário imperialista, foi maquiar contabilmente a
situação econômica e usar outros artifícios para retardar ao máximo as
consequências de uma crise. E pôde ainda contar com a variante de que os
preços das commodities experimentavam
uma forte alta. O gerenciamento do PT só não privatizou mais porque
FHC, que chegara na frente, não deixara tanto por fazer em matéria de
entreguismo do patrimônio nacional.
“Estado democrático de direito”
e Nova Democracia
Num
país como o nosso, as liberdades democráticas, e não a quimera de
“Estado democrático de direito”, foram conquistadas e sempre defendidas
pelas massas trabalhadoras, por isto mesmo estão permanentemente
ameaçadas por esta ordem de exploração vigente. Esta ameaça se agravou
muito no período recente, exatamente porque encontrou terreno nas
trapalhadas do PT. O descontentamento de amplos setores das massas com o
joguete eleitoral, com as mentiras com que se opera a farsa eleitoral e
a piora das condições de vida se revelaram logo após a vitória
eleitoral de Dilma. Atiçado pelo monopólio da imprensa de forma
demagógica, o que, na maioria das vezes, só é percebido em sua aparência
por grande parte da sociedade, este descontentamento foi, ao mesmo
tempo, aproveitado pela reação sempre alerta, principalmente no
judiciário e mesmo por aqueles seduzidos com a ilusória possibilidade de
se eliminar ou reduzir a corrupção pelas vias punitivas do rigor das
leis. Mas, o PT, em seus devaneios apologéticos do que aí está como
democracia consolidada, foi o primeiro a exorbitar em autoritarismos,
levantou uma pedra para deixá-la cair nos próprios pés. Paciência!
E
claro, qualquer desfecho que tenha e, como tende a ser, o da posse de
Temer na presidência, o ato seguinte será o de aplicar da forma que seja
necessária o pacote de ajustes mais draconiano e devastador para as
massas empobrecidas do campo e da cidade e para o patrimônio da Nação. E
o alvo da cobiça das corporações são os direitos trabalhistas, a
Previdência Social, a “reforma agrária” (mesmo esta de papel que aí
está) e as secularmente saqueadas riquezas naturais do país. Este é o
conteúdo de dito pacotaço e contra a revolta das massas que se
levantarão contra o governo. Este usará todo o arsenal fascista do
“Estado democrático de direito”, inclusive os aportados pelo PT como a
“lei antiterrorismo”, e todo tipo de criminalização da luta das massas e
seus batalhões de assassinos aquartelados nas PMs e demais órgãos
repressivos.
Isto
nós vamos assistir, bem como veremos o inevitável levantamento da luta
de resistência dos trabalhadores nas cidades e dos camponeses pela
conquista da terra a quem nela vive e trabalha. A crise política não
cessará, seja qual for o desfecho da queda de braço pelo controle do
governo.
Impulsionar
o protesto popular em defesa das reivindicações mais sentidas das
massas da cidade e do campo, preparar a greve geral pelos direitos
ameaçados, pela Revolução Agrária e contra o fascismo. Toda esta
podridão só pode ser varrida pela Revolução Democrática, com o
estabelecimento da Nova Democracia!
* É
importante deixar claro que o PT (um aglomerado de tendências
pequeno-burguesas, desde os pelegos treinados pelos institutos ianques
de “sindicalismo livre”, comunidades eclesiais de base da igreja
católica, ex-guerrilheiros arrependidos, intelectuais pequeno-burgueses
do CEBRAP e todas as possíveis seitas trotskistas, avalizados pelo
revisionismo cubano) proclamava o discurso radicaloide, em teoria e
prática, expresso na simplificação da realidade de “a classe
trabalhadora contra a patronal”.
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