Quando a vanguarda do atraso nos convida a dar as mãos às famílias centenárias que se perpetuam na política nacional com seu tom semifeudal, só podemos respondê-los com a denúncia e o escárnio. Foto: Banco de Dados AND
A aprovação pelo Congresso Nacional, no último dia 15, da Lei de Diretrizes Orçamentárias, escancara a que ponto chegou o abismo que separa “Suas Excelências” dos interesses da maioria da população. Enquanto o salário mínimo de fome passará, em 2022, dos atuais R$ 1.100 para R$ 1.147 (aumento de 4,3%), o chamado Fundão Eleitoral saltará de R$ 2 bi para R$ 5,7 bi (aumento de 285%). Isto, num contexto em que se prevê um déficit público na ordem de R$ 177,5 bi, eterna justificativa para o corte e contingenciamento de verbas em áreas sensíveis como Saúde, Previdência Social e Educação. Eis a grande corrupção que se pratica no Brasil: a institucionalizada, seja qual seja o governo de turno. Aos grandes burgueses e latifundiários, tudo; às massas trabalhadoras, migalhas.
Já se vê, a respeito, dois tipos de reação entre os articulistas nos monopólios de imprensa: uma, que grita contra a “imoralidade”, o “desperdício de dinheiro público”, e reclama de fato que a sangria de recursos da nação seja levada ao máximo em nome da sacrossanta “responsabilidade fiscal”; outra, que diz que “este é o preço da democracia”, que não se pode “demonizar a política”, como se uma democracia autêntica pudesse frutificar em país de famintos e miseráveis, com níveis de concentração de terras e de renda sem par no mundo. Uma abordagem é a do moralista pequeno-burguês, que se ruboriza perante pequenos subornos, mas nada tem a se opor ao grande saqueio legalizado dos trabalhadores e da Nação na base deste podre capitalismo burocrático; outra é a do oligarca supostamente esclarecido que chama de “instituições democráticas” este velho patriarcalismo assentado em cinco séculos de latifúndio, servidão e escravidão, cujas leis são meras formas vazias de conteúdo, infensas a qualquer manifestação popular.
Basta, aliás, que as massas se levantem em defesa dos seus direitos, para que o moralista pequeno-burguês e o pragmático senhorial se deem as mãos, e apelem ambos ao verdadeiro esteio do Estado brasileiro: as Forças Armadas, policiais e toda a burocracia reacionária, presentes em todas as contrarrevoluções, óbices a qualquer mudança estrutural de nossa sociedade. Estas estruturas não obedecem a alternâncias eleitorais, mas, pelo contrário, se conservam intactas ao longo dos séculos, independentemente da forma de governo ou do partido vitorioso da vez. Em particular, desde a dita redemocratização, todos os candidatos eleitos falaram em “mudança”, em inaugurar uma “nova política”, para logo se amoldarem mansamente ao ciclo terrível e vicioso. Por isso, o descrédito de que são alvo todas as “instituições democráticas”, sem exceção: segundo recente pesquisa do DataFolha, publicada no último dia 12/07, 38% da população avalia o Congresso como ruim ou péssimo, e 33% têm a mesma percepção acerca do Supremo.
Agora, quando falsos socialistas e oportunistas de todos os matizes convidam os democratas e as massas a refazer este ciclo uma vez mais, a dar uma demão de tinta na velha construção colonial, fazendo apenas um pouco mais compatível com o século XXI a sua fachada caiada, quando a vanguarda do atraso nos convida a dar as mãos às famílias centenárias que se perpetuam na política nacional com seu tom semifeudal, só podemos respondê-los com a denúncia e o escárnio. Foi justamente essa eterna solução negociada que nos trouxe ao fundão do poço. O descrédito e o repúdio das massas aos respeitáveis senhores de colarinho não é atraso ou despolitização, mas um passo à frente do seu embrião rumo à consciência de classe; a percepção de que há maior distância entre os seus interesses e as superestruturas pseudo-republicanas que entre o céu e a terra. Uma única vidraça de banco quebrada é suficiente para despertar nos acalorados “liberais” os pedidos mais histéricos de cadeia e pancada. Imaginem o que despertará a exigência prática de uma autêntica revolução democrática. Para nossa sorte, esta, sendo efetiva, não precisa de autorização: impõe-se com a força de uma necessidade.
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