martes, 26 de junio de 2018

As correntes filosóficas no movimento feminista (Anuradha Gandhy) (IV)

Feminismo Socialista

As mulheres socialistas ou marxistas que estavam ativas na nova esquerda e no movimento estudantil contra a guerra do Vietnam na década de 1960, uniram-se aos movimentos de libertação das mulheres, surgidos de maneira espontânea, influenciadas pelos argumentos feministas levantados dentro do movimento, formularam perguntas sobre seu próprio papel dentro do amplo movimento democrático e a análise da questão da mulher começou a ser tratada pela Nova Esquerda (especialmente uma corrente revisionista trotskista crítica da URSS e da China) da qual faziam parte. Apesar de serem críticas dos socialistas e dos comunistas, por ignorarem a questão da mulher, ao contrário da tendência feminista radical não romperam com o movimento socialista, mas concentraram seus esforços em combinar o marxismo com as ideias feministas radicais. Há um amplo espectro entre ambas as coisas.
Em um extremo do espectro encontra-se uma seção chamada feminismo marxista que se difere do feminismo socialista por aderirem mais estreitamente a Marx, Engels e aos escritos de Lenin e por centrarem suas análises na exploração das mulheres dentro da economia política capitalista. No outro extremo estão as que se concentram em como se cria a identidade de gênero através da educação das crianças. Se centram nos processos psicológicos e são influenciadas por Freud. Também se nomeiam feministas psicoanalíticas. O termo feminista é utilizado por todas elas.
Algumas feministas que estão envolvidas em um estudo sério e na atividade política a partir da perspectiva marxista, chamam-se feministas marxistas, tanto para se diferenciarem das feministas socialistas quanto em sua causa na questão da mulher. As feministas marxistas, como Mariarosa Dalla Costa, e outros grupos feministas na Itália, fizeram uma análise teórica do trabalho doméstico sob o capitalismo. Dalla Costa argumentou em detalhes que, através das mulheres, o trabalho doméstico reproduz trabalhadores, como mercadoria.
Segundo elas, é um erro considerar que apenas os valores de uso são criados através do trabalho doméstico. O trabalho doméstico também produz valores de troca – a força de trabalho. Quando surgiu a demanda de salário para o trabalho doméstico, Dalla Costa apoiou tal reivindicação porque, segundo ela, era um movimento tático para que a sociedade reconhecesse o valor do trabalho doméstico. Ainda que a maioria não estivesse de acordo com sua conclusão de que o trabalho doméstico gerasse mais-valia, apoiaram contudo a demanda de salários para o trabalho doméstico. Sua análise criou uma grande quantidade de discussões nos círculos feministas e marxistas do mundo todo e deu lugar a uma maior consciência sobre como as tarefas domésticas servem ao capital. A maioria das feministas socialistas foram críticas à demanda mas debateram-na longamente. Inicialmente, a questão das tarefas domésticas (princípios da década de 1970) era uma parte importante da discussão mas, pela década de 1980, tornou-se evidente que uma grande proporção de mulheres estava trabalhando fora de casa ou em algum momento de suas vidas trabalhariam fora de casa.
Em princípios de 1980, 45% da força total de trabalho nos EUA eram mulheres. Após isto, estudou-se a situação das mulheres como força de trabalho em outros países. As feministas socialistas analisaram como as mulheres dos EUA haviam sido objeto de discriminação em seus empregos e salários. A segregação de gênero em postos de trabalho (concentração de mulheres em determinados postos de baixos salários) também foi documentada em detalhes por elas. Estes estudos têm sido úteis para expor a natureza patriarcal do capitalismo. Contudo, para o propósito deste artigo, consideramos apenas a posição teórica tomada por elas sobre a opressão das mulheres no capitalismo. Apresentaremos a posição trazida por Heidi Hartmann em um artigo muito difundido e debatido: “O matrimônio infeliz entre marxismo e feminismo: para uma união mais progressista”, para entender a base do feminismo socialista.
Segundo Heidi Hartmann, o marxismo e o feminismo são dois conjunto de sistemas de análise que se casaram, mas cujo matrimônio foi infeliz, porque o marxismo é o dominador do matrimônio por seu poder analítico do capital. Mas de acordo com ela, enquanto o marxismo oferece uma análise do desenvolvimento histórico e do capital, não analisa as relações entre homens e mulheres. Ela afirma que as relações entre homens e mulheres estão determinadas por um sistema que é patriarcal, o qual é analisado pelas feministas.
Tanto a análise materialista histórica do marxismo e a análise do patriarcado como uma estrutura histórica e social são necessárias para compreender o desenvolvimento da sociedade capitalista ocidental e a posição das mulheres dentro dela, para entender como se desenvolveram as relações entre homens e mulheres e como o patriarcado marcou o curso do capitalismo. Ela é crítica com o marxismo na questão da mulher. Ela afirma que o marxismo se ocupou da questão da mulher apenas em relação ao sistema econômico, que as mulheres são vistas como trabalhadoras, que Engels dizia que a divisão sexual do trabalho seria destruída se as mulheres entrassem para a produção, e que todos os aspectos da vida das mulheres são estudados apenas em relação com a forma com que se perpetua o sistema capitalista. Inclusive o estudo sobre o trabalho doméstico se ocupou da relação das mulheres com o capital, porém não com os homens. Ainda que os marxistas estivessem conscientes do sofrimento das mulheres, se concentraram na propriedade privada e no capital como a fonte de opressão das mulheres. Mas, segundo ela, os primeiros marxistas não levaram em conta a diferença das experiências de homens e mulheres sob o capitalismo e o patriarcado. Afirma que o capital e a propriedade privada não oprimem as mulheres como mulheres, assim sua abolição não acabará com a opressão das mulheres. Engels e outros marxistas não analisam o trabalho das mulheres na família adequadamente. Quem se beneficia de seu trabalho em casa, pergunta ela. Não apenas os capitalistas, mas os homens também. Um enfoque materialista não deveria ter ignorado este ponto crucial. Dele, se deduz que os homens têm um interesse material na perpetuação da subordinação das mulheres.
Mais adiante sua análise sustentou que, contudo, o marxismo nos ajuda a compreender a estrutura do modo de produção capitalista, sua estrutura ocupacional, ideologia dominante e conceitos como exército de reserva. Conceitos como trabalhador assalariado ou classe fecham os olhos ao gênero, porque não levam em conta quem preenche esses conceitos vazios, quer dizer, quem virá a ser o trabalhador assalariado, quem será parte do exército de reserva, etc. Para o capitalismo é qualquer um, independentemente de gênero, raça e nacionalidade, quem quer que possa preencher estes conceitos de conteúdo. Aqui é, segundo ela, onde falta a questão da mulher.
Algumas feministas analisaram o trabalho da mulher utilizando a metodologia marxista, porém adaptando-a. Juliet Mitchell, por exemplo, analisou o trabalho da mulher no mercado, seu trabalho na reprodução, sexualidade e na criação dos filhos. De acordo com ela, o trabalho no mercado é a produção, o resto é ideologia. Para Mitchell, o patriarcado opera no âmbito da reprodução, da sexualidade, da criação dos filhos. Ela realizou um estudo psicoanalítico sobre como se formam as personalidades baseadas nos gêneros masculino e feminino. De acordo com Mitchel, “estamos tratando de duas autonomias: o modo econômico capitalista e o modo ideológico patriarcal. Hartmann discorda de Mitchell porque ela vê o patriarcado como ente ideológico e não lhe atribui bases materiais.
Segundo ela, a base material do patriarcado é o controle dos homens sobre a força de trabalho das mulheres. Controlam negando o acesso das mulheres aos recursos produtivos da sociedade (lhes negando um trabalho e um salário dignos) e restringindo sua sexualidade. Este controle, segundo ela, opera não só dentro da família, mas também fora, no local de trabalho. Em casa ela serve o marido e, no trabalho, serve o patrão. Aqui é importante notar que Hartmann não faz distinção entre os homens das classes dominantes e outros homens. Hartmann concluiu que não há patriarcado puro nem capitalismo puro. A produção e a reprodução se combinam em toda sociedade de forma organizada e, portanto, temos o que ela chama de capitalismo patriarcal.
De acordo com ela, há uma forte associação entre o patriarcado e capitalismo. Ela afirma que o marxismo subestimou a força e a flexibilidade do patriarcado e superestimou a força do capital. O patriarcado adaptou-se ao capital e o capital se flexibiliza quando encontra modos anteriores de produção, adaptando-os às suas necessidades de acumulação.  O papel da mulher no mercado de trabalho e no trabalho doméstico está determinado pela divisão sexual do trabalho, tendo o capitalismo utilizado-os para tratar as mulheres como trabalhadoras secundárias e para dividir a classe. Algumas feministas socialistas não concordam com a posição de Hartmann de que haja dois sistemas autônomos operantes: 1, o capitalismo no âmbito da produção, e 2, o patriarcado no âmbito da reprodução e da ideologia, e chamam a isto de “teoria dos sistemas duais”. Iris Young, por exemplo, crê que o sistema dual de Hartmann torna o patriarcado em um tipo de fenômeno universal, que existiu antes do capitalismo e em todas as sociedades conhecidas, a-histórico e propenso ao cunho cultural e racial. Iris Young e algumas outras feministas socialistas argumentam que há apenas um sistema, o patriarcado capitalista.
De acordo com Young, o conceito que pode ajudar a analisar isto com clareza não é a classe, porque não leva em conta o gênero, mas a divisão do trabalho. Ela argumenta que o gênero como base da divisão de trabalho é central, o fundamental na estrutura das relações de produção.
Entre as feministas socialistas encontra-se Maria Mies, que também é eco-feminista, e também se concentra na divisão de trabalho – “A divisão hierárquica do trabalho entre homens e mulheres e sua dinâmica para o homem, parte integralmente das relações de produção dominantes, quer dizer, as relações de classe de uma época e da sociedade e das divisões nacionais e internacionais mais amplas da mão de obra em particular.”
Segundo ela, uma explicação materialista nos obriga a analisar a natureza da interação de mulheres e homens com a natureza e, através dela, sua natureza humana e social. Neste contexto, critica Engels por não ter em conta este aspecto. A masculinidade e a feminilidade são definidos em cada período histórico diferentemente. Assim, no princípio, no que ela chama de sociedades matriarcais, as mulheres foram significativas porque eram produtivas – eram produtoras ativas da vida. Nas condições capitalistas isso mudou e elas são donas de casa, vazias de todas as qualidades criativas e produtivas. As mulheres como produtoras de filhos e de leite, como coletoras e agricultoras, tinham uma relação com a natureza diferente da dos homens. Os homens se relacionam com a natureza através das ferramentas. De acordo com ela então, a supremacia dos homens não vem da contribuição econômica superior, mas do fato de que eles inventaram as ferramentas destrutivas através das quais controlam as mulheres, a natureza e outros homens.  Ela ainda acrescenta que as relações patriarcais foram estabelecidas na economia de pastoreio. Os homens descobriram o papel do macho na fecundação. O monopólio das armas e o conhecimento da função reprodutiva do macho, conduziram a mudanças na divisão de trabalho. As mulheres já não eram importantes como coletoras de alimento ou como produtoras, seu papel era a criação dos filhos. Deste modo, ela conclui que “podemos atribuir a divisão simétrica do trabalho entre homens e mulheres a este modo predatório de produção, ou melhor, de apropriação, que se baseia no monopólio masculino sobre os meios de coerção, quer dizer, das armas e da violência direta por meio da qual as relações permanentes de exploração e a dominação entre os sexos se criam e se mantém”.
A família, o Estado e a religião têm tido um papel importante para sustentar isto. Embora Mies diga que devemos rechaçar o determinismo biológico, ela mesma se desvia para ele. Várias de suas propostas para a mudança social, assim como as das feministas radicais, se direcionam para as transformações das relações homem-mulher e a responsabilidade na criação dos filhos. A preocupação central das feministas socialistas, de acordo com ela, é a liberdade reprodutiva. Isto significa que as mulheres devem ter o controle sobre ter filhos e quando tê-los.
A liberdade reprodutiva inclui o direito às medidas de controle de natalidade, o direito ao aborto seguro, aos centros de convivência, um salário decente que permita o cuidado dos filhos, atenção médica e moradia. Também inclui a liberdade de escolha sexual; que é o direito a ter filhos fora da norma sociocultural, que dita que os filhos devem ser criados em uma família formada por um homem e uma mulher, o que equivale dizer que às mulheres que estão fora desta posição também deve ser permitido ter e criar seus filhos. A criação dos filhos deve deixar de ser, a longo prazo, tarefa exclusiva das mulheres e dos pais em geral. As mulheres não devem sofrer por não ter filhos ou pela maternidade obrigatória. Mas elas reconhecem que para garantir tudo o que foi citado acima a estrutura salarial da sociedade deve mudar, o papel da mulher deve mudar, a heterossexualidade compulsória deve acabar, o cuidado dos filhos deve converter-se em uma empresa coletiva e tudo isso não é possível dentro do sistema capitalista. O modo de produção capitalista deve ser transformado, mas não somente, porém há que junto transformar-se o modo de procriação.
Mais tarde, entre as escritoras, surge Gerda Lerner com uma importante contribuição.  Em seu livro, “A Criação do Patriarcado”, ela explica detalhadamente as origens do patriarcado. Ela sustenta que este é um processo histórico que não é um momento apenas da história, devido não apenas a uma causa mas a um processo que precede a mais de 2500 anos, por volta de 3100 A.C. até, mais ou menos, 600 A.C. Afirma que Engels, em seu trabalho pioneiro, fez importantes contribuições à nossa compreensão da posição da mulher na sociedade e na história. Ele definiu as principais questões teóricas para os próximos cem anos. Fez proposições sobre a historicidade da subordinação das mulheres, mas não foi capaz de fundamentar tais proposições. Do estudo das sociedades e estados antigos, ela conclui que é na apropriação da capacidade sexual e reprodutiva da mulher pelo homem que se encontra a base da propriedade privada; que isto precedeu à propriedade privada.
Os primeiros estados que se organizaram de forma patriarcal foram o da Mesopotâmia e Egito. Os antigos códigos de leis institucionalizaram a subordinação sexual das mulheres (os homens no controle da família) e a escravidão, mediante o poder do Estado. Isto foi feito pela força, através dos privilégios de classe das mulheres das classes mais altas e da dependência econômica das demais mulheres. Através dos seus estudos sobre a Mesopotâmia e outros estados antigos, ela traça como ideias, símbolos e metáforas foram desenvolvidos, através das quais as relações patriarcais de sexo/gênero se incorporaram à civilização ocidental. Os homens aprenderam a dominar outras sociedades mediante o domínio de suas próprias mulheres. Mas as mulheres seguiram desempenhando um importante papel como sacerdotisas, enfermeiras, etc, como se vê no culto à deusa e apenas mais tarde a desvalorização da mulher também na religião é levada à cabo.
As feministas socialistas utilizam termos como “marxismo mecanicista”, “marxismo tradicional” ou “marxismo economicista” em referência àqueles que defendem a teoria marxista concentrando-se unicamente no estudo e análise da economia e política capitalistas, e os diferenciam de si próprias. Criticam o marxismo por não considerar a luta contra a opressão da mulher como o aspecto central da luta contra o capitalismo.  Segundo elas, organizar as mulheres (projetos feministas de organização) deve ser considerado como trabalho político socialista e toda atividade política socialista deve ter uma seção feminista.

A estratégia do feminismo socialista para a emancipação da mulher

Depois de traçar a história da relação entre o movimento de esquerda e o movimento feminista nos Estados Unidos, uma história onde ambos têm caminhado em separado, Hartmann está convencida de que a luta contra o capitalismo não pode ter êxito sem que as feministas participem dela. Ela propõe uma estratégia em que afirma que a luta pelo socialismo deve aliar-se com grupos de diferentes interesses (por exemplo, os interesses das mulheres são diferentes dos interesses da classe) e, em segundo lugar, afirma que as mulheres não devem confiar que os homens as libertem após a revolução. As mulheres devem ter sua própria formação, separada e sua própria base de poder. Young é outra que também apoia a formação de grupos autônomos para mulheres, mas reflete que há questões relativas à mulher que não implicam um ataque ao capitalismo como um todo.
Segundo a estratégia que propõe, não há necessidade de um partido de vanguarda para que a revolução tenha êxito, assim como afirma que os grupos de mulheres devem ser independentes da organização socialista. Jagger expõe isto claramente quando escreve que “o objetivo do feminismo socialista é derrubar toda a ordem social que alguns chamam de patriarcado capitalista, em que as mulheres sofrem alienação em todos os aspectos de suas vidas. A estratégia feminista socialista não é apenas apoiar várias organizações mistas e socialistas, mas também formar grupos independentes de mulheres e, em última instância, um movimento independente de mulheres comprometido com a mesma dedicação na destruição do capitalismo e na destruição da dominação masculina. O movimento de mulheres se unirá em coalisão com outros movimentos revolucionários, mas não renunciará à sua independência organizativa.
Elas realizaram agitações e propagandas de temática anticapitalista contra a dominação masculina. Já que identificam o modo de reprodução (procriação, etc) como a base da opressão das mulheres, incluem o conceito marxista de base da sociedade. Assim, creem que muitas das questões abordadas, como a luta contra o estupro e o abuso sexual e pelo aborto livre, são ao mesmo tempo anticapitalista e um desafio à dominação masculina. Também apoiam os esforços para criar instituições alternativas como centros de saúde, encorajam a vida em comunidade ou alguma outra forma de solução como caminho. Nisto aproximam-se das feministas radicais. Porém, diferente das radicais, cujo objetivo é que tais instituições permitam às mulheres afastarem-se da cultura patriarcal para criar seu próprio paraíso, as feministas socialistas não creem ser possível um retiro deste tipo dentro do marco do capitalismo. Em resumo, as feministas socialistas veem isto como um meio de organizar e ajudar mulheres enquanto que as feministas radicais têm como objetivo separarem-se completamente dos homens. As feministas socialistas, tanto quanto as radicais, acreditam que os esforços para mudar a estrutura familiar, a qual elas chamam de pilar da opressão da mulher, devem começar agora.  Assim, elas têm encorajado a vida em comunidade, ou quaisquer tipos de arranjo como meio, onde as pessoas tentem superar a divisão de gênero na distribuição do trabalho e nos cuidados dos filhos, em que lésbicas e heterossexuais possam viver em conjunto.
Apesar de serem conscientes de que isto é apenas parcial e que não podem lograr êxito dentro da sociedade capitalista, afirmam que é importante fazer este esforço. As feministas radicais dizem que tais arranjos “são vividos na revolução” o que significa que, segundo elas, este ato é a própria revolução. As feministas socialistas são conscientes de que a transformação não virá lentamente, que haverá períodos de agitação, mas que estas são preparações.
Esta é, portanto, sua prioridade. Ambas, feministas socialistas e radicais, têm sido objeto de fortes críticas por parte das mulheres negras por ignorarem essencialmente a situação destas mulheres, concentrando toda sua análise sobre a situação das mulheres brancas de classe média e teorizando sobre elas. Por exemplo, Joseph assinala a condição das escravas negras, que nunca foram consideradas “femininas”. Nos campos e plantações, no trabalho e no castigo, foram tratadas iguais aos homens. A família negra nunca pôde estabilizar-se sob condições de escravidão, e os homens negros, apesar de serem também escravos, dominavam as mulheres escravas. Também, mais tarde, as mulheres negras tiveram que trabalhar para se sustentar e muitas delas têm sido empregadas como trabalhadoras domésticas nas casas de burgueses brancos. O assédio enfrentado ali, nas longas horas de trabalho, tornou suas experiências muito diferentes das experiências das mulheres brancas. Daí não estarem de acordo com que a família seja a fonte da opressão (para as mulheres negras, era uma fonte de resistência ao racismo). Sobre a dependência das mulheres em relação ao homem, as negras, em muitas ocasiões, dificilmente podem depender dos homens negros, dada a alta taxa de desemprego que sofrem. E sobre a função reprodutiva das mulheres, reproduzem desta maneira mão de obra para os burgueses brancos. O racismo é uma situação generalizada para todas elas e isto as coloca em aliança com o homem negro em vez das mulheres brancas. Em continuidade, as mesmas mulheres brancas têm estado implicadas na perpetuação do racismo, sobre a qual as feministas, segundo elas, devem refletir. Inicialmente, as mulheres negras quase não participaram no movimento feminista, até que na década de 1980 lentamente desenvolveram um movimento feminista negro que está tratando de combinar a luta contra a dominação masculina com a luta contra o racismo e o capitalismo. Estas e outras críticas por parte das mulheres de outros países do terceiro mundo têm dado lugar a uma tendência dentro do feminismo chamado feminismo global. Neste contexto, o pós-modernismo também ganhou seguidores entre as feministas.

Crítica

Basicamente, se virmos os princípios teóricos do feminismo socialista, podemos ver que tentam combinar a teoria marxista com a teoria feminista radical em sua ênfase em mostrar que a opressão da mulher é a força central e motora da luta dentro da sociedade. Os escritos teóricos têm sido predominante na Europa e Estados Unidos e focados na situação na sociedade capitalista avançada. Toda sua análise é relacionada ao capitalismo em seus países. Inclusive sua compreensão do capitalismo é limitado no estudo da dialética da economia capitalista.
Há uma tendência em universalizar a experiência e a estrutura dos países capitalistas avançados para todo o mundo. Por exemplo, no sul da Ásia e na China, que tiveram uma longa época feudal, vemos que a opressão das mulheres nesse período foi muito mais severa. A perspectiva maoísta na questão da mulher na Índia também identifica o patriarcado como uma instituição que tem sido a causa da opressão das mulheres na sociedade de classes. Mas não o identifica como um sistema independente, com suas próprias leis de movimento. O entendimento é que o patriarcado toma o conteúdo e as formas das diferentes sociedades, dependendo de seu nível de desenvolvimento, da história e da condição específicas desta sociedade em particular, que foi e está sendo utilizado pelas classes dominantes para servir aos seus interesses. Portanto, o patriarcado não é um inimigo em separado.
As mesmas classes dominantes, sejam imperialistas, capitalistas ou feudais e o Estado que controlam, são os inimigos da mulher, já que sustentam e perpetuam a família patriarcal, a discriminação de gênero e a ideologia patriarcal dentro desta sociedade. Recebem o apoio de homens comuns, que sem dúvida, absorvem as ideias patriarcais, que são as ideias da classe dominante e que oprimem as mulheres. Contudo, não se pode comparar a posição dos homens comuns e dos homens das classes dominantes. As feministas socialistas, dando ênfase à reprodução, subestimaram a importância do papel da mulher na produção social. Aquestão crucial é que, sem mulheres tendo controle sobre os meios de produção e sobre a produção de artigos de primeira necessidade e da riqueza, como pode acabar a subordinação das mulheres? Isso não é só uma questão econômica, mas também uma questão de poder, uma questão política.
Embora isso possa ser considerado no contexto da divisão sexual de trabalho, na prática, a ênfase delas está nas relações dentro da família heterossexual e na ideologia do patriarcado. Por outro lado, a perspectiva marxista destaca o papel da mulher na produção social, e removê-la de desempenhar um papel importante na produção social tem sido a base de sua subordinação na sociedade de classes. Assim, estamos interessados na forma de divisão do trabalho, nas relações com os meios de produção e em como está organizado o trabalho na sociedade de classes, onde as classes dominantes exploram as mulheres e as obrigam à subordinação. As normas e as regras patriarcais ajudaram a intensificar a exploração das mulheres e a reduzir o valor do seu trabalho.
Apoiando o argumento dado por Firestone, as feministas socialistas estão dando ênfase ao papel das mulheres na reprodução para construir todo seu argumento. Elas tomam a designação de Engels: “De acordo com a concepção materialista, o fator determinante da história é, em última instância, a produção e a reprodução da vida imediata. Isto, de novo, é de um duplo caráter: por um lado, a produção dos meios de existência, de comida, roupa, teto e as ferramentas necessárias para sua produção; de outro, a produção dos próprios seres humanos, a propagação da espécie. A organização social sob a qual as pessoas de uma época em particular vivem é determinada por ambos os meios de produção”. (A origem da família, da propriedade privada e do Estado).
Com base nesta citação salientam que em sua análise e estudo apenas se concentraram na reprodução, ignorando por completo a produção. A citação de Engels dá o marco básico da formação social. O materialismo histórico, nosso estudo da história, deixa claro que nenhum aspecto pode ser isolado ou mesmo compreendido sem levar em conta o outro. O fato é que, ao longo da história, as mulheres têm desempenhado um papel importante na produção social, e ignorar isto é afirmar que o papel da mulher na esfera da reprodução é o aspecto central e que deve ser o foco principal, é de fato aceitar o argumento da classe dominante patriarcal de que o papel social da mulher está na reprodução, que isto é o mais importante e que não há outra coisa.
As feministas socialistas também distorcem e esvaziam de conteúdo o conceito de base e superestrutura em sua análise. Firestone diz que (e também as feministas socialistas como Hartmann) a reprodução é parte da base. Disto se deduz que todas as relações sociais relacionadas com a reprodução devem ser consideradas como parte da base da família, outras relações homem-mulher, etc. Se todas as relações econômicas e reprodutivas são parte da base, o conceito de base torna-se tão amplo que perde seu significado completo, e não pode ser então uma ferramenta analítica como deveria. A divisão do trabalho baseada no gênero tem sido uma ferramenta útil para analisar o cunho patriarcal na estrutura econômica em determinadas sociedades. Mas as feministas socialistas que estão colocando à frente o conceito da divisão de trabalho por gênero, por ser mais útil que a propriedade privada, estão confundindo o ponto, histórica e analiticamente. A primeira divisão do trabalho foi entre homens e mulheres, e isso devido a causas naturais e biológicas – o papel da mulher na criação dos filhos. Mas isto não significa a desigualdade entre os sexos – a dominação de um sexo sobre outro.
A proporção de mulheres para a sobrevivência do grupo foi muito importante – recolhiam os alimentos, começaram a cultivar plantas, domesticaram animais, isso tudo era essencial para a sobrevivência e o avanço do grupo. Ao mesmo tempo levou-se a cabo uma divisão de trabalho que não se baseava no sexo. A intervenção de novas ferramentas, a domesticação de animais, a descoberta da cerâmica, do trabalho do metal, da agricultura, tudo isso e mais, contribuiu para uma divisão mais complexa de trabalho. Isto deve ser visto no contexto global da sociedade e de sua estrutura – o desenvolvimento do clã e estruturas de parentesco, de interação e enfrentamento com outros grupos e o controle sobre os meios de produção que estavam sendo desenvolvidos. Com a geração de excedentes, com guerras e a subjugação de outros grupos que poderiam ser destinados ao trabalho, iniciou-se o processo de retirada das mulheres da produção social.
Isto levou à concentração dos meios de produção e do excedente às mãos dos chefes dos clãs/tribos, começando assim o que se manifestaria como dominação masculina. Se este controle dos meios de produção se manteve de forma comunal ou se desenvolveu-se na forma de propriedade privada, ou se mais adiante a formação de classes foi levada a cabo totalmente ou não, é diferente em cada sociedade. Temos que estudar os fatos particulares de sociedades específicas. Com base na informação disponível em seu tempo, Engels seguiu o processo na Europa Ocidental, nos tempos antigos, para nós é isto, traçar este processo em nossas respectivas sociedades. A plena institucionalização do patriarcado apenas poderia vir mais tarde, que é a defesa ou a justificativa ideológica para a retirada das mulheres da produção social, e a limitação do seu papel à reprodução em uma relação monogâmica, o que apenas poderia vir depois do pleno desenvolvimento da sociedade de classes e do surgimento do Estado.
Assim o mero fato da divisão sexual do trabalho não explica a desigualdade. Afirmar que a divisão do trabalho baseada no gênero é a base da opressão das mulheres, em vez da classe, levanta questões. Se não encontramos razões materiais e sociais para chegar à origem da desigualdade, nos vemos obrigados a aceitar o argumento de que os homens têm uma tendência inata para o poder e a dominação. Tal argumento é contraproducente, já que significa que não há sentido na luta por igualdade, que nunca poderia ser alcançada. O fato de ter filhos, por si próprio, não pode ser a razão para esta desigualdade já que, como dissemos, no princípio já foi um papel louvado e acolhido na sociedade primitiva. Outras razões materiais teriam que apresentar-se como causa, razões que as feministas radicais e as feministas socialistas não investigam. No âmbito ideológico, as feministas socialistas têm feito análises detalhadas que expõem a cultura patriarcal em suas sociedades, por exemplo, o mito da maternidade.
Contudo, a ênfase unilateral por parte delas centra-se apenas nos fatores ideológicos e psicológicos e as faz perder de vista a estrutura socioeconômica mais ampla em que se baseia esta ideologia e esta psicologia. Em questões organizacionais, as feministas socialistas estão imitando as feministas radicais e as anarcofeministas. Definiram claramente sua estratégia, mas esta não é uma estratégia para a revolução socialista. É uma estratégia completamente reformista porque não aborda a questão de como o socialismo pode ser levado à cabo. Se, como creem, os partidos socialistas/comunistas não devem fazê-lo, então os grupos de mulheres devem levar uma estratégia de como vão derrotar o macho da burguesia monopolista. Elas estão restringindo suas atividades práticas a pequenas organizações em grupos, à construção de comunidades alternativas, à construção de comunidades alternativas, à propaganda geral e à mobilização em torno de demandas específicas. Esta é uma forma de prática economicista. Estas atividades em si mesmas são úteis para organizar as pessoas no nível mais básico, mas não são suficientes para derrocar o capitalismo e levar adiante o processo de libertação da mulher. Isto supõe um trabalho de organização que implica no confronto com o Estado, sua inteligência e seu poder armado.
As feministas socialistas deixaram de lado esta questão, em certo sentido a deixou nas mãos dos partidos revisionistas e dos partidos revolucionários aos quais elas criticam. Portanto, toda sua orientação é reformista para empreender a organização e a propaganda limitadas dentro do sistema atual. Um grande número de teóricas feministas radicais e feministas socialistas têm sido contratadas em empregos bem remunerados característicos da classe média, nas universidades e nas escolas superiores, e isto se reflete no elitismo lançado em seus escritos e na sua distância do movimento das massas. Também se reflete no campo da teoria de um Estado feminista marxista, “contudo, pela década de 1980, muitas feministas socialistas e feministas marxistas que trabalhavam nas universidades e nos colégios, ou próximo a eles, não apenas se haviam integrado completamente à classe média, mas também haviam abandonado a análise de classes do materialismo histórico…”.

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