jueves, 21 de junio de 2018

As correntes filosóficas no movimento feminista (Anuradha Gandhy) (I)


As correntes filosóficas no movimento feminista (Anuradha Gandhy)

 Tradução-contribuição de leitora (crédito ao fim da publicação)

(Original em inglês: http://massalijn.nl/theory/philosophical-trends-in-the-feminist-movement/) trechos a mais
Disponível em espanhol: https://culturaproletaria.wordpress.com/2016/12/09/critica-al-feminismo-en-occidente/) – reproduzido pelo Da.Rjo


O seguinte texto é obra de Anuradha Gandhy, fundadora do PCI(M-L) e membro do CC do PCI(Maoísta) até sua morte.
Introdução geral ao Movimento de Mulheres no Ocidente, pela Camarada Janaki (Anuradha Ghandy):
– Feminismo liberal.
– Crítica.
– Feminismo radical.
– Crítica
– Sistema sexo/gênero e patriarcado.
– Sexualidade: a heterossexualidade e o lesbianismo.
– Crítica.
– Anarcofeminismo.
– Ecofeminismo.
– Feminismo socialista.
– Estratégia do feminismo socialista para a libertação da mulher.
– Crítica.
– O feminismo e o pós-modernismo.
– Resumo.

Feminismo liberal

O feminismo liberal desfrutou de uma longa história nos séculos XVIII e XIX com pensadoras como Mary Wollstonecraft (1759-1797), Harriet Taylor Mill (1807-1858), Elisabeth CadyStanton (1815-1902), argumentando a favor dos direitos da mulher na base da compreensão filosófica liberal. O movimento pela igualdade de direitos para mulheres, especialmente a luta pelo direito ao voto, se baseou principalmente no pensamento liberal.
Os primeiros filósofos políticos liberais, como John Locke e Jean Jacques Rousseau, que haviam defendido a regra da razão, a igualdade para todos, não incluíram as mulheres em sua compreensão de merecedores de igualdade, em particular de igualdade política. Não aplicaram sua teoria liberal para a posição da mulher na sociedade. Os valores do liberalismo, incluindo a crença fundamental na importância e na autonomia do indivíduo foram desenvolvido no século XVII.
Isto surgiu com o desenvolvimento do capitalismo na Europa em oposição aos valores patriarcais feudais baseados na desigualdade. Era a filosofia da burguesia em ascenso. Os valores feudais se baseavam na crença da superioridade inerente à elite – em especial os monarcas. Os demais eram objetos, os subordinados. Defendiam a hierarquia, junto à desigualdade de direitos e o poder. Em oposição a estes valores feudais a filosofia liberal desenvolveu a crença na igualdade natural e na liberdade dos seres humanos.  “Defendiam uma estrutura social e política que reconhecesse a igualdade de todas as pessoas e que proporcionasse igualdade de oportunidades. Esta filosofia foi rigorosamente racional e secular e, por sua vez, a potência máxima e o desenvolvimento progressivo do maior período do Iluminismo. Caracterizou-se por um intenso individualismo. Contudo, os famosos filósofos liberais do século XVII, como Rousseau e Locke, não aplicaram os mesmos princípios à família patriarcal e à posição das mulheres nela. Esta foi a inclinação patriarcal residual do liberalismo que se aplicou apenas aos homens no mercado.” – Zillah Eisenstein.

Mary Wollstonecraft pertencia à seção radical da aristocracia intelectual da Inglaterra, que aprovara as revoluções francesa e americana. Escreveu “Justificativa dos Direitos da Mulher”, em 1791, em resposta à interpretação conservadora de Edmund Burke do significado da Revolução Francesa. No folheto, se manifestou contra as noções patriarcais feudais sobre a dependência natural das mulheres em relação aos homens, que as mulheres foram criadas para agradar aos homens, que não puderam ser independentes. Wollstonecraft escreveu-o antes do surgimento dos movimentos de mulheres e seus argumentos se baseiam na lógica e na racionalidade. A análise subjacente de Wollstonecraft são os princípios básicos do Iluminismo: a crença na capacidade humana para a razãoe dentro dos conceitos de liberdade e igualdade que precederam e acompanharam as revoluções americana e francesa. Ela reconheceu a razão como única autoridade e argumentou que a menos que as mulheres fossem encorajadas a desenvolver seu potencial racional e a confiar em seu próprio julgamento, o progresso de toda humanidade seria atrasado. Argumentou sobretudo a favor das mulheres obterem a mesma educação que os homens, para que elas também pudessem assimilar as qualidades do pensamento racional e contar com oportunidades para ganhar e levar uma vida independente. Criticou fortemente as ideias de Rousseau sobre a educação das mulheres.
Segundo ela, os argumentos de Rousseau de que a educação das mulheres deveria ser diferente da dos homens, contribuiu para fazer com que as mulheres fossem personagens mais artificialmente débeis. A lógica de Rousseau foi que as mulheres devem ser educadas de tal maneira a fim de incutir-lhes que a mais alta virtude é a obediência. Seus argumentos refletem as limitações de classe do seu pensamento. Enquanto ela escreveu que as mulheres das classes “comuns” possuíam mais virtude porque trabalhavam e eram em certa medida independentes, ela também acreditava que “as mulheres mais respeitáveis são as mais oprimidas”.
Neste momento, seu livro foi influente inclusive nos Estados Unidos. Harriet Taylor também fez parte dos círculos intelectuais burgueses de Londres e era esposa do conhecido filósofo utilitarista James Stuart Mill. Escreveu “Sobre a emancipação da mulher”, em 1851, em apoio ao movimento de mulheres surgido nos Estados Unidos. Dando fortes argumentos liberais contra os opositores dos direitos da mulher e a favor de que as mulheres tivessem os mesmos direitos que os homens, escreveu: “Negamos o direito de qualquer porção da espécie decidir sobre a outra porção, ou o de um indivíduo sobre o outro, assim como explicamos o que é ou não sua ‘esfera correta’. A esfera adequada para todos os seres humanos é a maior e mais alta que sejam capazes de alcançar…”. Considerando a importância do fato de que ela escrevera: “O mundo é muito jovem e não foi feito mais que começar a desfazer-se da injustiça. Isto é, agora quando se está abolindo a escravidão dos negros, por que não se está fazendo o mesmo com as mulheres?”. De fato, os fundamentos liberais do movimento das mulheres, tal como emergiu no século XIX nos Estados Unidos estão na Declaração de Sêneca Falls (1848). Assim começava a declaração nesta primeira convenção nacional: “Sustentamos estas verdades evidentes: que todos os homens e mulheres são criados iguais, que são dotados por seu Criador de certos direitos inalienáveis; entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade”.
Na segunda fase do movimento de mulheres, em finais de 1960, entre as principais defensoras dos direitos liberais, encontram-se Betty Friedan, BellaAbzzug e Pat Schroeder. Friedan fundou a Organização Nacional de Mulheres (em inglês “NOW”, NationalOrganizationofWomen) em 1966. As feministas liberais surgiram dentre as que estavam trabalhando nos grupos de direitos das mulheres, nas agências governamentais, comissões, etc. Sua preocupação inicial era conseguir modificar as leis que negavam a igualdade das mulheres no âmbito da educação, do emprego, etc. Também fizeram campanha contra convenções sociais que limitavam as oportunidades das mulheres com base no gênero. Mas à medida que estas barreiras legais e educacionais começavam a cair, ficou evidente que a estratégia liberal de mudar as leis dentro do sistema existente não era suficiente para lograr a justiça e a liberdade para as mulheres. Assim, elas mudaram sua ênfase para a luta pela igualdade de condições em vez de limitarem-se à igualdade de oportunidades.
Isto significava a exigência de que o Estado desempenhasse um papel mais ativo na criação das condições nas quais as mulheres, em realidade, pudessem aproveitar as oportunidades. As demandas por assistência aos filhos, bem-estar, saúde, do seguro-desemprego, políticas especiais para mães solteiras, etc, foram retomadas pelas feministas liberais. A luta pela Emenda dos Direitos de Igualdade (“ERA”, Equal Rights Amendments) também foi conduzida por estas feministas. O trabalho da seção liberal entre as feministas se deu através de organizações a nível nacional, e assim, também tiveram voz nos meios de comunicação. Uma fração entre as feministas liberais como Zillah Eisenstein, argumentou que o liberalismo tem potencial como ideologia libertadora porque as mulheres que trabalham podem, através de suas experiências de vida, ver a contradição entre a democracia liberal e a ideologia liberal, e ver o patriarcado capitalista que lhes nega a igualdade prometida pela ideologia. Mas o liberalismo não era a ideologia influente dentro do movimento nesta fase.

Crítica ao feminismo liberal

O liberalismo, como filosofia, surgiu no seio da sociedade feudal ocidental, quando a burguesia estava lutando para chegar ao poder. Consequentemente, incluía o ataque aos valores feudais, divinamente ordenados, e à hierarquia (a desigualdade social). Se pôs de pé para a razão e a igualdade de direitos para todos os indivíduos. Porém, esta filosofia se baseia no individualismo extremo em lugar do esforço coletivo. Portanto, promove o enfoque de que se a igualdade formal e legal foi dada a todos, logo os indivíduos podem tomar vantagem das oportunidades disponíveis para ter sucesso na vida.
A questão da contradição de classes e o efeito das diferenças de classes sobre as oportunidades disponíveis para as pessoas não foram levados em consideração. Inicialmente, o liberalismo desempenhou um papel progressista na ruptura das instituições sociais e políticas feudais. Mas no século XIX, depois do crescimento da classe trabalhadora e de seus movimentos, as limitações do pensamento liberal passaram a primeiro plano. Para a burguesia que havia chegado ao poder, os direitos que professavam não se estendiam aos pobres e outros setores oprimidos (como as mulheres e os negros nos Estados Unidos). Estes tiveram que lutar por seus direitos. O movimento de mulheres e o movimento negro, nesta fase, foram capazes de exigir seus direitos utilizando argumentos liberais. As mulheres da classe burguesa estavam na vanguarda deste movimento e não estenderam a questão dos direitos às classes trabalhadoras, incluindo as mulheres da classe trabalhadora.
Mas à medida que surgiam as ideologias da classe trabalhadora, as diversas tendências do socialismo encontraram apoio entre as seções ativas da classe trabalhadora. Começaram a questionar o sistema socioeconômico e político, muito burguês, e as limitações da ideologia liberal, com sua ênfase na igualdade formal e na liberdade individual. Nesta fase, o liberalismo perdeu seu papel progressista, e vemos que as organizações das principais mulheres, na luta pelo sufrágio tanto nos EUA como na Inglaterra, tinham um objetivo muito estreito, e se converteram em pró-imperialismo e anti-trabalhadores. Na presente fase, as feministas liberais tiveram que ir mais além dos estreitos confins da igualdade formal, à campanha pelos direitos coletivos como medidas positivas de bem-estar para as mães solteiras, prisioneiras, etc, e exigir um Estado de Bem-Estar.
O liberalismo possui as seguintes deficiências:
  1. Centra-se nos direitos individuais no lugar dos direitos coletivos.
  2. É ahistórico. Não possui uma compreensão global do papel da mulher na história, nem uma análise da subordinação das mulheres.
  3. Tende a ser mecânico em seu apoio à igualdade formal sem um entendimento concreto da condição das diferentes classes sociais das mulheres e seus problemas específicos. Portanto, era capaz de expressar as demandas das classes médias (mulheres brancas das classes média e alta dos EUA, mulheres de casta alta na Índia), mas não das mulheres dos diversos grupos étnicos oprimidos, classes e castas trabalhadoras.
  4. Se limita às mudanças nas leis, nas oportunidades de educação e emprego, nas medidas de bem-estar, etc, e não questiona as estruturas econômicas e políticas da sociedade que dão lugar à discriminação patriarcal. Portanto, é reformista em sua orientação, tanto na teoria como na prática.
  5. Considera que o Estado é neutro e que pode intervir a favor das mulheres, quando na realidade, o Estado burguês nos países capitalistas e no Estado semicolonial e semifeudal indiano [e nos demais estados sob esta condição], é patriarcal e não apóia a luta das mulheres pela emancipação. O Estado burguês é a defesa dos interesses das classes dominantes que se beneficiam da subordinação e da posição desvalorizada da mulher.
  6. Dado que se centra nas mudanças na lei e nos esquemas estatais, dá ênfase ao lobby e às petições para alcançar suas demandas. A tendência liberal frequentemente tem restringido sua atividade às reuniões, convenções e petições de mobilização por mudanças. Raras vezes mobilizou as massas de mulheres e, de fato, teme a mobilização combativa com grandes quantidades de mulheres pobres.

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