Foi aberta a contagem regressiva para o afastamento do genocida Bolsonaro da presidência. Caso se instale a CPI, que ocorrerá paralelamente ao pior momento da pandemia, produzindo um dia depois do outro manchetes sobre os crimes perpetrados pelo governo federal, a situação do capitão falastrão pode ficar insustentável. Não faltam motivos para derrubá-lo: à interminável quantidade de crimes hediondos cometidos por ele durante a epidemia soma-se a debacle econômica e o desgoverno em todos os níveis, que empurram o País para o abismo. Do Censo do IBGE cancelado à falta de anestésicos nos hospitais, tudo indica a falência do sistema político. Mas não é por nenhum arroubo humanista que uma frente cada vez mais ampla, que engloba desde setores do núcleo duro da grande burguesia aos oportunistas (passando pelos ingênuos úteis), articula sua queda, e sim, porque ele não possui a menor capacidade de cumprir as três tarefas reacionárias demandadas pela casa grande, quais sejam, reestruturar o velho Estado reacionário, impulsionar o capitalismo burocrático e conjurar o perigo de revolução. Na verdade, Bolsonaro e seus asseclas de extrema-direita demonstram dia após dia ser empecilho para que aquela reestruturação ocorra.
Dois episódios, já exaustivamente debatidos em nossos editoriais, marcam uma inflexão neste processo: a anulação das condenações de Lula e a demissão do general Fernando Azevedo e Silva do Ministério da Defesa, que foi acompanhado pelos comandantes das três forças armadas, crise militar inédita na nova república. A libertação de Lula, de um lado, e seu retorno ao cenário eleitoral, pode ser interpretada como tudo, menos como benéfica a Bolsonaro. Não se trata de nenhuma conjectura: Kássio Nunes, que até aqui tem votado sempre de acordo com seu padrinho no STF, votou contra a suspeição de Moro, que só foi declarada porque Carmen Lúcia virou a casaca. Do ponto de vista eleitoral, um como o outro disputam as mesmas bases (pobres urbanos e classes médias), e tudo indica que estas se descolam cada vez mais rapidamente de Bolsonaro, numa inversão clara do cenário de 2018. Há, ainda, tendência a uma segunda inversão: num eventual segundo turno, seria Luiz Inácio, acenando com a podre bandeira da conciliação de classes, quem teria melhores condições de atrair a direita civil, ao contrário do que se viu no último pleito, ainda sob os auspícios da "Lava Jato". Para Bolsonaro, seria melhor enfrentar vários anti-Bolsonaro, diluindo os votos de oposição; a chance de que esses votos se concentrem em um candidato aumenta de modo exponencial suas chances de derrota. Trata-se, portanto, de episódio que serve a isolar mais o capitão-do-mato, e eleva o preço da taxa de proteção no Congresso, como fica claro na ampliação do espaço do “centrão” nos ministérios e na fatia que pretende abocanhar do Orçamento. Ao PT, aliás, não interessa nenhuma manifestação popular que perturbe a marcha eleitoral já em curso e sua tentativa de atrair setores das classes dominantes, e mesmo sua adesão ao impeachment é apenas de boca. Mas a inevitável e radicalizada polarização Bolsonaro X Lula interessa e serve, caso necessite, aos generais do Alto Comando para impor sua intervenção com o pretexto falacioso do “caos dos extremos”.
O que resta a Bolsonaro? Apostar no caos e na sua base mais fiel, cujo centro está nas Forças Armadas. Na sua visão, este é o partido político que conta, capaz de assegurar sua sobrevivência, ainda que seu apoio popular caia a níveis ainda mais baixos. Em caso de derrota eleitoral, seria a cartada que lhe permitiria tentar consumar seu golpe militar, não transferindo o governo. Para tanto, precisa ser capaz de arrastar para sua aventura as Forças Armadas, e busca fazê-lo gerando uma instabilidade institucional tal que não reste outra alternativa ao seu Alto Comando, ante a possibilidade de rachar a corporação, que embarcar, ainda que no objetivo de tomar-lhe a direção, como única condição para salvar a velha ordem em colapso. Ocorre que, à medida em que o barco afunda, os generais do Alto Comando buscam se dissociar cinicamente do governo que têm sustentado, que entrará para a história com a pecha de genocida. A saída do ex-ministro da Defesa e dos demais comandantes militares reforça esta tentativa, uma vez que a estratégia que manejam é a de um regime militar branco, não-declarado, ao contrário de Bolsonaro que faz questão de declarar dia sim, outro também, a participação do “seu exército” no “seu governo”, o regime militar fascista. Como em política não existe neutralidade, em tempos de crises tão graves sair do governo é engrossar as fileiras da oposição, como ocorreu com o general Santos Cruz, que virou mascote de setores anti-Bolsonaro nos monopólios de imprensa e participa de articulações para tornar viável um candidato de “centro”, como se autodenomina a direita tradicional no Brasil. Braga Netto e os novos comandantes militares, segundo dissemos em recente editorial, cumprem a missão de vigiar de perto o capitão-do-mato, sem alterar no mínimo as diretrizes de dissociação já em curso.
Quanto aos democratas e revolucionários, devem persistir na convocação e politização das massas, e caso eclodam manifestações de vulto contra o governo (cenário que não é o mais provável no imediato com o auge da pandemia) não há outra coisa a fazer que não seja intervir junto delas, persistindo na luta prolongada pela revolução democrática, levantando já a bandeira de Abaixo o governo militar genocida de Bolsonaro! Na verdade, a intervenção independente das massas é um fator com o qual a direita tradicional (centro-direita parlamentar) e os oportunistas - que tendem, cada vez mais, para um acordão nacional, tutelado pelo Alto Comando militar - não contam, e para o que se empenharão em frustrar qualquer possibilidade desta. O impeachment, assim como a antecipação da campanha eleitoral, ao contrário do que pensam os ingênuos úteis, são manobras lançadas para evitar a entrada em cena dos setores populares, canalizando seus anseios e suas fúrias para o velho jogo palaciano. E, quaisquer que sejam os próximos desdobramentos, a única coisa que os lutadores consequentes devem fazer é estreitar os seus laços com as massas, no chão das fábricas, nas favelas, na terra camponesa ensanguentada por séculos de combates. A divisão entre as classes dominantes não poderá, por si só, resolver os grandes problemas brasileiros, pelo simples fato de que as suas diferenças são menores do que as que separam aquelas hienas vorazes do povo. Em algum momento, as forças do atraso se unificarão, ainda que temporariamente, no ataque aos revolucionários e às massas para impor as três tarefas ditas acima. Quando esta hora decisiva chegar, vencerá quem estiver mais consciente dos seus objetivos e mais organizado.
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